Numa sociedade em que tanto se diz e tão pouco se acrescenta e onde muitos se enchem do dom da palavra para criar uma verdade universal, é fácil de imaginar a dificuldade da missão de colocar mais de duas dezenas de pessoas que pouco ou nada se conhecem a falar a mesma linguagem, certo?
Comunicar e saber comunicar é de facto uma soft skill importantíssima não
só no desporto, mas também na vida em geral. É sequer possível imaginar uma
vida sem interação entre as pessoas? Uma das maiores dádivas da nossa vida e
que possibilita receber e trocar informação com outras pessoas e que cria um sentido
diário no nosso significado, ainda que, maioritariamente não se dê conta da
importância da mesma.
Dentro desta lógica da importância da interação entre pessoas, no caso específico do desporto, cada vez me apercebo mais da importância de uma comunicação assertiva e eficaz como agente primordial para o sucesso desportivo. Se quando jogava pensava algumas coisas como “não vou falar porque vou alertar do meu posicionamento ao adversário”, não entendia a importância que os meus Treinadores colocavam na questão de avisar "tens polícia" aos meus colegas ou simplesmente não compreendia o quanto é necessário interagir com os meus colegas para me manter vivo dentro do jogo e criar as condições necessárias para estar sempre um passe à frente do adversário, hoje em dia e com a evolução do jogo e com a melhor preparação detalhada de jogadores e equipas técnicas é para mim bastante claro que quem mais comunicar e melhor se entender no menor espaço de tempo estará sempre mais perto do sucesso.
Globalmente e quando pensas que ter um grupo mais jovem poderia levar a uma maior facilidade a incutir esse espírito comunicativo, surgem também a olhos vivos, valores e um espírito cada vez mais individualista que se encontra na
sociedade, demonstrativa da pouca capacidade de trabalho em grupo e da perceção
que o todo é muito mais que a soma das partes e que “tomar uma pela equipa” é sempre um passo mais próximo do sucesso de cada um dentro do símbolo que vai a jogo.
Assim, se de facto, já se torna complicado criar uma mescla perfeita de juventude e experiência que permita a passagem de irreverência comunicativa por parte dos jovens e a estabilidade e consistência comunicativa que a experiência de quem já tem muita rodagem como os mais velhos pode passar, mais difícil se torna quando esse é possivelmente um dos aspetos que as equipas técnicas ainda descuram durante o seu trabalho e que poderá ser mais uma soma aquisitiva na qualidade que muitos já empregam no seu modelo.
Tinha um Professor que me dizia que os maiores culpados de os miúdos nem
saberem o que dizer dentro de campo (na forma mais eficaz) é muito atribuível
aos Treinadores! Isto porque, se cada Treinador fizer uma introspeção sobre o
seu Modelo de Treino e a forma como se conduz a sessão facilmente concordará
que os objetivos e as condicionantes para a maioria dos exercícios não envolvem
a Comunicação.
Percebo as reticências que qualquer um dos leitores possa estar a colocar neste momento sobre o assunto em questão, no entanto, faço um exercício de simples resolução e resposta fácil para ajudar a entender a pertinência do mesmo. Quando se idealiza o que se pretende ver numa equipa de um desporto coletivo o que espera encontrar? Falaremos certa e exclusivamente da conjugação de aspetos técnicos e táticos dentro de um jogar assente num esteticismo bastante pessoal e perfeito onde ainda assim terá de ser sempre encontrado um vencedor durante o desafio, isto apesar da perfeição que possamos imaginar para os dois adversários. Então, que ferramentas poderemos utilizar para aprimorar a técnica e a tática e garantir as superioridades numéricas, posicionais, qualitativas, cinéticas e socio-afetivas? Alguém aqui acredita que se a Comunicação Verbal e Não-Verbal perante os colegas, os adversários, o terreno do jogo e o resultado não for trabalhada conseguiremos percecionar e antecipar os vários cenários de forma a agir em primeiro e garantir o sucesso para a sua equipa nos vários momentos do jogo?
Esta foi uma dura realidade com que eu e a restante Equipa Técnica nos deparámos ao longo da época e que foi sendo trabalhada em vários momentos, mas em que as jogadoras terão de estar preparadas para em primeiro entender e compreender aquilo que o emissor lhes transmite e só depois conseguir uma resposta efetiva e ponderada sobre a interação do momento. E este é o primeiro problema que se coloca! Educar as jogadoras desde o primeiro segundo, perceber o grupo que temos pela frente, direcioná-las para trabalhar em equipa e fazê-las questionar-se e percecionar por si próprias sobre a necessidade de mudar hábitos e vícios anteriores e saber qual o caminho mais certo ou mais repleto de incertezas.
Veja-se
a título de exemplo o caso de Rúben Dias: “Falava muito, sempre fui muito comunicativo. Quando cheguei,
o Luisão estava em boa forma e houve ali um atritozito. O André Almeida até
disse: ‘O miúdo fala muito’. Eles com o tempo perceberam que a minha
comunicação era algo natural e não para me mostrar.”
Mais difícil será o caso que encontrei nesta época em que apanhámos a época já em andamento com um grupo totalmente novo, jovem, inexperiente e a ter de correr atrás do prejuízo desde o primeiro segundo. Aqui, o nosso trabalho torna-se mais complicado, mas nem assim poderemos deixar de dar o incentivo para que se conheçam, percebam, interajam e comuniquem de forma eficaz além de nunca deixar de acreditar na nossa Ideia de Jogo, em que neste caso só seria exequível caso todas entendessem o seu papel e rumassem para o mesmo lado tanto fora como dentro de campo.
Que estratégias operacionalizar?
Tendo perdido a oportunidade de criar laços ao longo de uma pré-época bem
definida, restou-nos encontrar exercícios de team-building, de comunicação
verbal e não-verbal em que se retirava as atletas da sua habitual zona de
conforto, preparação antecipada dos grupos de trabalho tentando misturar ao
máximo as atletas, através do conhecimento prévio das micro-sociedades que
serão normais dentro da equipa. Exercícios que provoquem a confiança umas nas
outras e que permitam a comunicação através de um simples olhar, além de nos
vários exercícios que sendo mais ou menos analíticos englobávamos sempre a
condicionante de comunicar antes do passe ou de receber a bola. Além disto,
tarefas extra de conhecimento das atletas através da escrita em questionários
pessoais permitiam criar a confiança suficiente para libertar as atletas
perante a Equipa Técnica.
E como todo o processo que condensa o tempo em si para depois conseguir passar com ele, esta foi mais uma etapa de aprendizagem. Assim, futuramente que estratégias poderemos utilizar para diminuir os ruídos na comunicação entre Treinador e Jogadora? Que estratégias podem ser implementadas para alcançar uma comunicação ainda mais eficaz com as Jogadoras? Que estratégias podem ser inovadas para garantir um maior conhecimento entre as várias jogadoras da equipa? A utilização de um Dicionário de Equipa é fundamental? Como posso englobar isto tudo e em que momentos do treino se pode revelar mais eficaz? Tanta questão com respostas por dar e tanto por descobrir! O Modelo de Jogo está em constante desenvolvimento e aqui poderemos encontrar mais algumas respostas para uma Ideia de Jogo ainda mais vincada, mais próxima da perfeição que tanto Treinadores como adeptos desejam, além de facultar as atletas com mais uma ferramenta que lhes permita adquirir os conteúdos com maior eficácia respondendo às questões técnico-táticas que surgem em momento de jogo com maior distinção.
Alguém um dia disse que “A comunicação deve ter o princípio da eficácia. Ela deve ser transformadora”. Conseguimos algumas melhorias neste capítulo e uma certeza de que as equipas que melhor se comunicam estão mais próximas do sucesso!
Ricardo Carvalho
3 Comentários
Excelente artigo. Parabéns 🤙
ResponderEliminarExcelente artigo. Parabéns 🤙
ResponderEliminarMuito obrigado pelo feedback!
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