A estética tal como no mundo das artes é algo que é oferecido ao público e que dependerá muito da sua perceção, das emoções e juízos que despertam ao observá-la. Esta especialidade está sempre sujeita à crítica e gostos pessoais do público a que se oferece determinada arte.
Nos últimos anos muito se tem falado sobre um futebol mais ou menos
bonito. Essa é, de facto, uma compreensão que surge novamente após um período
fenomenal de um futebol jogado num coletivo de excelência e que se colocou ao
dispor de uma ideia que lhe assentava que nem uma luva. Uma ideia de jogo
desenvolvida por um treinador especial e invulgar, que conseguiu cativar os
seus jogadores a recriarem-se dentro das quatro linhas, ao mesmo tempo que
massacravam quem lhe aparecesse pela frente num qualquer dia de jogo.
A realidade é que desde esse momento, muitos tentaram copiar o que se fez
de tão bem nessa época, enquanto outros decidiram avançar para novos desafios
bebendo desse sumo de épocas fantásticas e procuram desenvolver as suas equipas
com conteúdos novos assentes nas bases de um futebol que se modernizou nos
últimos anos.
Esta modernização da modalidade tornou o futebol direto obsoleto e fez
com que emergisse uma necessidade quase inquestionável de derrotar os seus
adversários saindo a jogar sempre apoiado desde trás. O guarda-redes passou a
ter uma participação essencial no jogo da equipa e teve de adaptar o seu jogo
de pés e a forma como distribuía o jogo para sobreviver numa nova era.
Esta era moderna, tal como previra José Mourinho, rapidamente se
transformaria e desenvolveria para uma era tática, cabendo às equipas e às suas
equipas técnicas encontrarem e disponibilizarem dentro da ideia de jogo, formas
de superarem o adversário e se superiorizarem perante o mesmo, mudando e
jogando com as peças dentro do sistema em que defendem e atacam.
Perante este cenário e tendo em conta as normas aprendidas anteriormente,
no momento de pontapé de baliza a regra é pressionar alto para que o adversário
bata para a frente e aqui é hora de ganhar a primeira, segunda e terceira bola.
Minimizavam-se os riscos, ou pelo menos, pensava-se assim.
Numa fase moderna a ideia de sair apoiado desde trás tornou-se viral e
como tudo o que cai na internet, se não for revisto, poderá fazer com que se
caia em algumas falácias. Há que procurar claramente fontes fidedignas e, como
em qualquer estudo científico, deve ser passível de ser reproduzido, ou de pelo
menos, ser reconstituído.
E é aqui que se iniciam alguns dos problemas com que as equipas se vão
deparando ao longo da época. À impossibilidade de reproduzir o futebol
imaginado, para além das evidentes dificuldades provenientes das lacunas
técnicas dos executantes, junta-se também uma clara falta de perceção do real
significado de sair a jogar desde trás. O “para quê” torna-se essencial quando
queremos que a ideia ganhe vida dentro do nosso modelo de jogo.
A primazia e o espaço que se passaram a dar a este princípio dentro do
modelo de treino transformam-no quase no Santo Graal dos tempos atuais. Poucos
não são os treinadores que dedicam um grande período da organização do seu
treino ao mesmo, com a agravante de além da tentativa/erro, não se explicar aos
jogadores o “para quê” do que se pretende. Dizia Fernando Valente que “agora o
orgasmo no futebol já não é o golo, é a primeira fase de construção. Atingem o
orgasmo na primeira fase, para depois, por vezes, passarem aquela pressão e
esticarem para a profundidade…”.
O pontapé de baliza, que tantas vezes se confunde com a primeira fase de
construção, é um momento parado do jogo em que se pode ganhar vantagem sobre um
adversário. Quando bem utilizado podemos levar o adversário para onde queremos
e obter o proveito disso mais à frente. E é aqui que a ideia do treinador tem
de ganhar vida, criando e recriando as dinâmicas necessárias e essenciais para
se superiorizar perante a pressão adversária.
A possibilitação dos defesas receberem a bola dentro de área permite uma
panóplia de soluções, sendo para isso necessário entender-se qual o sistema de
pressão do adversário, as zonas que o mesmo está a definir no jogo para
pressionar, os tipos de marcação e se podemos contornar essas questões passando
de um momento inicial passível de igualdade para um momento de superioridade
instantâneo que poderá e deverá ser aproveitado. Sendo que este é só o início,
foram uns quantos metros que se ganharam a adversários que querem recuperar
imediatamente a bola. A sua finalidade estará noutras fases mais à frente.
Neste constante desenvolvimento surge atualmente um desenvolvimento com a
saída do pontapé de baliza a ser iniciada por um defesa que tocará para o guarda-redes.
Esta ação permite condicionar desde logo a saída no pressing por parte do
adversário, além de permitir manter todos os corredores em aberto para uma
saída limpa desde trás. Um pequeno pormenor que levará os treinadores
adversários a ter de se reinventar se quiserem condicionar desde o primeiro
momento a saída apoiada do adversário.
E quando não se encontram soluções estratégicas em tempo real para sair a
jogar no pé? A partir daqui, para além da tentativa/erro que deve ser
claramente minimizada, urge ter um espaço dentro do modelo de treino para que a
equipa entenda que referências e dinâmicas utilizar com a equipa espalhada no
campo, para que se possa aproveitar na mesma o facto do adversário estar a
tentar condicionar os princípios bem assentes da equipa. Não é desistir de uma
ideia/princípio, é utilizar outros para se superiorizar perante os problemas
que o adversário coloca durante o jogo.
Falo em referências e dinâmicas com a equipa espalhada pois, existe
também uma ideia preconcebida de quando o guarda-redes quiser sair longo,
batendo a bola para a frente, deve mandar fechar a equipa e concentrarem-se
praticamente 20 jogadores sobre um lado do campo. Aqui a principal diferença
reside precisamente no “bater a bola”.
O que prefiro é que a equipa se mantenha em campo grande para
possibilitar uma distribuição longa trabalhada, com dinâmicas de movimentação e
de apoios frontais, 3ºs e 4ºs homens que visa atacar o espaço que o adversário
está a conceder para ataque nas suas costas. São ideias, nada mais que isso.
Importante mesmo é a capacitação da equipa para que se consigam superiorizar ao
adversário. Isto porque uma equipa que sabe o que faz dentro das quatro linhas
estará sempre mais próxima de vencer o seu oponente no campo de batalha.
0 Comentários