Semana
após semana o debate sobre as escolhas do treinador A/B ou C são normais para o
comum adepto de futebol. O trabalho inacessível e invisível para o público é
algo pouco valorizado, sendo por isso as críticas muitas vezes infundadas pela
pouca informação (ou nenhuma) disponível quanto ao trabalho que um atleta
desenvolve em termos performativos ao longo da semana de treino.
Considerar
o espaço de treino como o laboratório de experiências das equipas técnicas e
jogadores parece-me acertado. Passo por passo em que cada nova descoberta leva
a uma nova aprendizagem. Um espaço comum de tentativa-erro até que se encontre
a fórmula perfeita. Aprender a dosagem certa para que tudo funcione.
Tal
como em toda a história do futebol têm aparecido técnicos capazes de fazer
mudar o rumo dos acontecimentos. São génios que dedicam incontáveis horas à
causa e que procuram melhorar e encontrar algo de diferente, algo que os leve a
estar mais perto do sucesso. Além disso, também o real significado de sucesso tem
sido debatido desde sempre, entre a alegria do resultado e do êxtase de um jogo
bem jogado e apelativo ao ponto de tornar o futebol um desporto um completo
espetáculo em termos de entretenimento.
O
constante choque de ideias de treinadores ao longo da história proporcionou-nos
jogos que marcaram pelo espetáculo produzido por jogadores e equipas de
excelência na arte de comunicar e trabalhar em equipa. A arte de absorção da
ideia por parte do treinador e da interação em grupo no desenvolvimento da
mesma.
E
é precisamente pela longa história do desenvolvimento do jogo que o espaço de treino
e a autenticidade do mesmo não deve ser desprezado e tão pouco deve ser promovido
somente como um espaço de manutenção das aptidões dos jogadores. Ainda que todo
e qualquer treinador e restante equipa técnica estejam sujeitos à crítica pelo
método utilizado, a maior e melhor resposta que um treinador poderá sempre dar
é que errou, mas tentou pela sua própria cabeça e pelas suas próprias ideias.
O
jogador deve ter o treino como espaço concedido pelo treinador para errar,
procurando errar cada vez menos e aproximar-se cada vez mais do ideal conjunto
desejado para a equipa. E aqui importa que os conteúdos sejam dados e revistos
constantemente, procurando-se um equilíbrio e um consolidar por parte dos
jogadores.
A
exigência e o aparecimento de profissionais cada vez mais bem preparados levam
a que cada vez mais o detalhe faça toda a diferença. A sessão de treino escrito
num guardanapo 5 minutos antes pode não ter impacto no momento, mas tudo o que
não seja um planeamento minucioso a longo prazo não fará colher frutos no futuro.
Assim,
é percetível que a história da evolução do futebol ao longo dos anos mantém
sempre o jogador no centro de todo o processo. É, ainda que não seja muitas
vezes devidamente reconhecida, uma arma fundamental para o treinador e que
devidamente analisada e explorada poderá levar ao reconhecimento da fórmula certa
para determinado grupo. O aproveitamento de determinadas caraterísticas dos
jogadores poderá ser a luz que guia em direção à estrada que levará o grupo ao
destino correto. Ainda que não seja o ideal formulado na cabeça do treinador
sobre a conceção do jogo que pretende para o jogar da sua equipa ou, por outro lado,
que determinada caraterística dos jogadores melhore mais do que o expetável a
equipa. Um processo de aceitação, descobrimento e aprendizagem mútuo.
Esta
importância está sobejamente subentendida na liderança, na gestão, no
conhecimento e comunicação com todos os elementos do grupo. Deve ser feito um trabalho
de fundo no conhecimento extra-futebol de cada jogador e, por exemplo, na forma
como cada jogador lida sobre stress e a partir daí perceber como intervir com
cada atleta. Como diz Jesualdo Ferreira “para ensinar, existem três comportamentos
fundamentais: escrever, mostrar imagens e falar/comunicar. Para operacionalizar
uma ideia, vais precisar sempre destes três comportamentos.
Encontradas
as estratégias fundamentais na relação com cada jogador, o espaço de treino
assume então capital importância. O treinador deve refletir, analisar e planear
o melhor conteúdo para cada treino, cada fase da época. Este processo de ensino-aprendizagem
vai sempre ser contínuo e nunca estará finalizado.
Esta
escolha de conteúdos utilizará o exercício de treino como facilitador de aprendizagem.
É aqui percetível a importância que o exercício assume como via de comunicação no
ensino-aprendizagem que o treinador pretende para os seus jogadores. Precisamente
por isso o exercício deverá ser escolhido e programado não para massajar o ego
do treinador, tornando-se numa enorme pista de aviões ou num total chocolate
pelas facilidades que o mesmo aporta e permitem um olímpico “olé”, mas que
depois não conseguem transfer para situação de jogo.
O
exercício de treino, independentemente do tipo, deve essencialmente obter como
resposta a concretização dos objetivos a que se propôs. E, aqui, leva a pensar
nas dificuldades que muitas vezes o treinador assiste em momento de treino. Muitas
vezes associadas a falhas de concentração ou de inteligência, estão sim, na
minha opinião, relacionadas com a falta de preparação em termos de aprendizagem
para a concretização do objetivo, aliadas muitas vezes à parca capacidade técnica
que muitos jogadores demonstram em determinadas habilidades motoras.
Durante esta seleção é então importantíssimo alimentar
o crescimento do jogador e da equipa de maneira gradual e não de uma forma exacerbada.
Mesmo que com a melhor das intenções, dar demasiada água a uma planta faz com
que ela morra.
Sendo
o jogador o centro de tudo, implica perceber e adaptar as melhores condições
para que perceba os princípios que o treinador deseja ver implementados dentro
do jogo da equipa. Não importa se será através de um exercício mais analítico
de início ou no meio e se o mesmo não tem os floreados todos que muitas vezes
parecem fazer um exercício melhor que o outro. Nada disso importa.
O
que importa realmente é o jogador e o desenvolvimento de comunicação em sintonia
dentro do jogar da equipa. Importa colocar o jogador desconfortável em determinada
situação sim, mas que o mesmo seja capaz de ter uma resposta positiva. Se não
for na primeira vez, que seja na seguinte. Não implica isto levar um exercício
que o treinador acha muito bom a tomar todo o tempo do treino. Implica sim,
perceber que se determinado exercício ainda não consegue facilitar a resposta
do jogador/equipa para o que se pretende transferir para jogo, então dar um
passo ao lado e procurar outras soluções.
Fundamental é que o jogador tenha um espaço de erro e de aprendizagem constante que lhe permitam desenvolver-se e atingir os patamares de execução que o seu treinador perspetiva para a equipa. Que se procurem as melhores estratégias para que cada um consiga acompanhar o desenvolvimento do grupo. Nem sempre todos estarão preparados para dar resposta no momento, mas terão de saber manter a harmonia dentro do grupo para que seja possível a sobrevivência do jogar da sua equipa.
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