Terminou o
estágio do Sporting de Jorge Jesus na Suiça e já há alguma margem para se
discutir as bases sob as quais estão a ser construídos os alicerces deste
Sporting de 2017/2018, bem como apontar os destaques pela positiva e pela negativa
desta primeira metade da pré-época leonina.
Antes de mais,
situar a terceira pré-época de Jorge Jesus ao serviço do Sporting e compará-la
com as restantes. Como disse Laurindo Filho para o Futebol Apoiado no texto de
ontem, intitulado "Quanto Vale Realmente uma Pré-Época?", existem duas abordagens
possíveis no que diz respeito à planificação desta fase da época: uma pré-época
focada nos resultados, nunca descurando as competências e ideias que o plantel
terá de reter quanto ao Modelo de Jogo do Treinador, e uma pré-época mais
focada nesse Modelo de Jogo e na aquisição do mesmo, nunca descurando os
resultados.
Não tomando
partidos, penso que a primeira pré-época de Jorge Jesus foi mais focada nos
resultados, com o Sporting a enfrentar adversários de valia questionável, ainda
que o nível de valia do adversário fosse aumentando à medida em que se
aproximava o início do campeonato. O ano passado a pré-época foi diferente,
mais aproximada daquilo que Jesus prefere. Bastantes jogos, com datas relativamente
próximas, adversários de qualidade inquestionável que fossem capazes de testar
devidamente os seus pupilos. Os resultados não foram auspiciosos, tal como
nesta pré-época não estão a ser. Mas mais do que olhar aos resultados, olhemos
a algumas conclusões já possíveis.
Na baliza, com
a ausência dos internacionais Beto e Rui Patrício, a principal aposta residiu
no Guarda-Redes com menos qualidade: Azbe Jug em detrimento de Pedro Silva que,
como se viu frente ao Marselha, tinha todas as condições para se dar mais a
conhecer. E não seria por falta de dados em relação a Jug que isto aconteceu…
já o ano passado mostrara grandes debilidades técnicas.
Passando à
defesa, olhamos ao principal problema desta pré-época. Piccini apresenta uma
falta de criatividade ofensiva gritante. Vejo-o como um defesa direito e nunca
como um lateral direito. Não tem criatividade para ser um lateral direito. É o
principal candidato à posição, mas um clube com aspirações a ser campeão requer
bem mais, no meu entender. Sabemos que com Gelson Martins o flanco ganha a tal
criatividade que falta ao italiano, mas até a qualidade de Gelson pedia um parceiro
mais lateral que defesa.
Já a dupla
Coates e Mathieu apresenta dois problemas: uma grande dificuldade em controlar
a profundidade adversária e uma enorme dificuldade a sair a jogar desde trás.
Não são centrais de reacção rápida, ou seja, os mínimos erros têm sido
aproveitados pelos adversários. E o que é isto da profundidade adversária,
senão a principal arma da maioria das equipas portuguesas? Equipas que entendem
que cara a cara não conseguirão lutar por pontos contras os grandes, então a
aposta recai em jogadores bastante rápidos na frente a explorarem as costas
da defesa. É para isto que Jesus terá de preparar esta dupla e a estratégia da
linha do fora de jogo, ao mínimo erro, pode isolar um destes avançados. Um
risco que o timoneiro leonino parece estar disposto a correr. Em processo
ofensivo destaque também para a grande dificuldade que esta dupla tem em
construir jogo. Mathieu não é um exímio na construção, o que requer uma maior
atenção do primeiro médio para primeira fase de construção. Dado que o parceiro
do francês ex-Barcelona é Coates, que também não tem na mestria técnica a sua
melhor arma, temos, acima de tudo, uma dupla de centrais demasiado iguais, o
que pessoalmente sempre me desagradou.
Da defesa para
o ataque, fiquei intrigado com as opções que Jesus tomou. Todos pensámos que
Seydou Doumbia viria para fazer companhia a Bas Dost no ataque. Para fazer de
Téo Guitierrez mais precisamente. Um avançado capaz de jogar entre linhas, de ligar
o meio-campo ao ataque, com liberdade para um raio de acção vasto, procurando
garantir superioridade ao ataque leonino onde estivesse a bola. Tanto capaz de
tabelar com os apoios centrais, como descair até as linhas para procurar o
desequilíbrio e permitir a Bruno Fernandes aproximar-se mais das zonas de
finalização. Ora, após tantos minutos de preparação a solução Bas Dost + Seydou
Doumbia mal foi testada e, quando foi, não correu propriamente bem. Adquirir um
jogador como Doumbia para fazer sombra a Bas Dost parece-me esticar demasiado
um orçamento de uma equipa que não tem ainda um lateral direito de eleição, mas
a pré-época serve para preparar. Assunto a seguir com atenção nos próximos
tempos.
Quanto aos
destaques, pela positiva há três: Daniel Podence, Matheus Pereira e Bruno
Fernandes. Três jovens que prometem muito futebol para esta nova temporada.
Bruno Fernandes fará esquecer Adrien Silva, que está na porta de saída.
Tecnicamente é um regalo e tem uma visão de jogo que promete ser a sua principal
arma. Aqui terá de mostrar uma regularidade competitiva que até Adrien falhou
em apresentar na época passada. Se o fizer, temos jogador. Matheus Pereira usou
esta pré-época para obrigar o seu Treinador a mantê-lo no plantel,
desequilibrando sempre que teve possibilidade. Já Podence, é o grande destaque
desta pré-época: época passada, os dois jogos em que foi aposta de Jesus como
parceiro de Bas Dost, o holandês fez 7 golos: 4 em Tondela e 3 em Braga
(Podence substituiria o lesionado Alan Ruiz ainda na primeira parte). Podence é
um desequilibrador nato, mas não será fácil garantir um lugar no onze titular,
ainda que se perfile nesta pré-época como o que tem mais condições. Houvesse
ousadia em apostar nestes jovens…
Destaque
também, desta vez pela negativa, para o processo ofensivo do Sporting Clube de
Portugal. Conhecemos o seu Treinador e o processo ofensivo da sua equipa tende
a ser demasiado mecanizado. Entendo que Jesus dá pouco azo à criatividade dos
seus jogadores, amarrando-os (excepção feita a Gelson Martins). Tomemos o jogo
com o Marselha como exemplo: primeira parte penosa com Bruno César e Bruno
Fernandes como interiores, o primeiro à esquerda e o segundo à direita,
Petrovic e Battaglia no meio-campo. Segunda parte com amostras de qualidade
quando entram Matheus Pereira e Podence, saindo Alan Ruiz e Petrovic e o que
vemos a partir daqui? Criatividade, espaços novos a serem requisitados,
problemas diferentes a serem apresentados à defensiva contrária e, como
consequência, oportunidades de golo.
Considero este um grande problema do
Sporting de Jorge Jesus: para o controlo do jogo que apresenta, as
oportunidades de jogo são sempre bastante escassas. E este problema vem do ano
passado. Provavelmente devido às amarras que impõe. Ora, Podence e Matheus
Pereira não podem ser amarrados e o Futebol do Sporting automaticamente cresce
ofensivamente quando os principais criativos têm liberdade criativa.
Para terminar,
uma palavra de apreço para a imagem de Francisco Geraldes a ler o romance de
José Saramago intitulado “Ensaio sobre a cegueira”. Ultimamente não encontro
melhor exemplo para aplicar o ditado “Uma imagem vale mais do que mil
palavras”. Porque o livro de Geraldes ainda tem muitas páginas em branco que
certamente serão preenchidas. Com ou sem Jesus.
Pedro Cardoso
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