Uma das frases mais ouvidas em futebol diz que a prática é a validação da teoria. Significa isto, numa primeira instância, que será o processo de treino a validar tudo aquilo que esteve e está na concepção da ideia de jogo, na definição dos princípios e sub-princípios e na execução dos exercícios pensados e criados especificamente para esse jogar.
Será o treino, e sempre o treino, o palco maior e principal para a construção da identidade colectiva da equipa, através da qual as individualidades potenciam-se e emergem numa mescla que fará jus ao todo que é sempre maior do que a soma das suas partes. Será o treino, e sempre o treino, o filtro maior e mais fidedigno para a detecção dos problemas e a apresentação de soluções, num processo que, sabemos nós, nem sempre é contínuo e linear, e não raras vezes sofre alguns retrocessos.
No entanto existe uma tendência generalizada para associar os resultados como a verdadeira validação prática da teoria inicialmente postulada. E ainda que saiba que os resultados têm o seu peso e a sua importância, especialmente em contextos de rendimento profissional, também sei que é muito mais fácil procurar resumir tudo aos números finais do que escalpelizar tudo o que possa estar na criação do modelo de jogo, no processo de treinos e nas incidências próprias de cada jogo que levam a esses mesmos resultados.
De forma simples e simplista, tendemos a atribuir bons resultados a boas teorias e boas práticas e maus resultados a más/boas teorias e más práticas. Esta leitura não só carece de veracidade como também origina mudanças súbitas e repentinas de opinião. Daí que um treinador possa ser considerado um fenómeno no início de uma época fruto de 6 vitórias e 6 jogos para, no mês seguinte, passar a ser considerado um flop por 4 derrotas em 4 jogos.
Por não me rever nesta análise numérico-resultadista e por ter o conhecimento de uma realidade amadora do futebol, tenho dedicado algum tempo à identificação de indicadores qualitativos que possam ajudar a validar a prática da teoria que todos os treinadores possuem consigo e dentro de si. Este trabalho visa e versa apenas sobre esta realidade amadora, na qual muitos treinadores são obrigados a uma ginástica mental e a uma gestão de recursos humanos muito diferentes do que se passa no patamar profissional.
Obviamente que existe, e existirá sempre, um enorme grau de subjectividade em todo e qualquer exercício deste género, mais a mais porque resulta das experiências e vivências acumuladas por cada um de nós e porque reflecte a forma como percepcionamos, agimos e reagimos a essas mesmas vivências e experiências.
Ainda assim, eis alguns dos indicadores que me ajudam a perceber se o trabalho desenvolvido está a surtir o efeito desejado junto do grupo de trabalho:
MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS GRUPAIS
Pontualidade: quando um grupo de trabalho aprende a respeitar os horários, por norma temos aqui um dos primeiros indicadores de compromisso. Quando há compromisso o trabalho tende a ser mais valorizado, os jogadores vão ao treino para treinar e não apenas para ir ao treino, começando aqui a construção dos alicerces que vão sustentar toda a performance da equipa, quer em treino, quer em jogo;
Assiduidade: quando um grupo de trabalho tem uma taxa de presenças a treino superior a 90%, incluindo lesionados e castigados, independentemente dos resultados (sabemos que a motivação é diferente quando se vai em primeiro, em oitavo ou em último lugar), tempos de utilização e condições metereológicas, podemos atestar o grau de compromisso dos jogadores e perceber que existe matéria-prima para desenvolver um bom trabalho;
Competitividade: cabe à equipa técnica promover essa mesma competitividade, mas só resulta quando os jogadores percebem que os nomes, os estatutos e o background não contam se não houver trabalho diário. Se a equipa técnica souber passar a mensagem “diz-me como treinas e dir-te-ei como jogas” e “treino é jogo” e for intelectualmente honesta, então haverá coerência e congruência. Os jogadores, ao aperceberem-se disso, irão seguir o caminho traçado, a competitividade será cada vez mais facilmente estimulada e bem aceite e todos sairão a ganhar;
Cobrança: quando o grupo se revê nos valores, nas ideias e no trabalho desenvolvido automaticamente passa a ser “polícia” de si mesmo. E passar a querer e a saber cobrar os comportamentos desejados e adequados para o sucesso pretendido. De forma natural e inter-pares. Convictos de que juntos podem alcançar muito mais e chegar bem mais longe;
Surgimento/réplica de feedback: quando um grupo de trabalho habitualmente não comunicativo passa a saber comunicar dentro de campo, utilizando inclusivamente expressões e feedback utilizado pela equipa técnica, começamos a perceber que a assimilação das ideias já se encontra num patamar mais avançado. De tal modo que são os próprios jogadores a assumir a comunicação dentro de campo. Em algumas ocasiões surgem as extensões do treinador dentro de campo (não têm de ser sempre ou apenas e só os capitães);
MUDANÇAS TÉCNICO-TÁCTICAS GRUPAIS
Adaptabilidade: não existem treinadores que pensem da mesma forma, logo, não existem treinadores com o mesmo modelo de jogo e processo de treino. Por vezes a chegada de uma nova equipa técnica, com ideias, mentalidades e comportamentos completamente opostos à anterior pode levantar algumas barreiras quanto à adaptação dos jogadores à nova realidade;
Contudo, se houver indícios das já referidas mudanças comportamentais grupais, então é certo que a adaptação às novas ideias será mais fácil e fluida. Depois será o tempo e o treino a ditar o grau de percepção, assimilação, execução e evolução dentro da nova realidade;
Variabilidade: quando os jogadores começam a sentir-se identificados e confortáveis com o que é trabalhado em processo de treino tornam-se mais evidentes as suas capacidades individuais e colectivas. Esse conhecimento permite que a equipa técnica, com o devido enquadramento (comunicação clara e concisa, exposição de factos e factores, exemplificação teórica do pretendido, etc), possa promover uma maior variabilidade técnico-táctica junto do grupo de trabalho;
Com o tempo e com trabalho, mesmo a um nível distrital, é possível vermos uma equipa a dispor-se em campo de várias formas, com e sem bola, sem ter de ser necessária a substituição de um ou mais jogadores, tal como é possível uma equipa actuar em três ou quatro sistemas tácticos diferentes dentro do mesmo modelo de jogo, sem que isso desvirtue a identidade da equipa.
Assumpção do risco: quando o adn da equipa começa a ficar bem vincado, quando os posicionamentos e comportamentos passam a ser respeitados por serem condição sine qua non para o bom desempenho colectivo da equipa, o grupo de trabalho passa a encarar e a assumir os riscos de outra forma;
Diria que passa a ser menos temeroso e mais corajoso, principalmente por saberem que a equipa técnica apoia, motiva e exige que o desejo de vencer seja maior do que o medo de perder. Por vezes essa coragem é mal interpretada e facilmente rotulada, num exercício pejorativo que tende a diminuir aquilo que não se compreende.
A verdade é que a pouco e pouco um grupo de trabalho encara o risco como uma normalidade inerente ao jogo e não uma fatalidade. Ganha força a ideia, cresce o colectivo e os erros tendem a diminuir com o tempo.
Certeza e firmeza nas ideias/convicções: é uma das mudanças mais difíceis de alcançar, mas quando um grupo de trabalho acredita no que treina e trabalha, independentemente dos resultados, então percebemos que a teoria está cada vez mais em vias de ser validada pela prática diária e contínua dos jogadores;
Saber porque se ganha e porque se perde: fugindo da verdade à La Palisse que diz que ganha quem marca mais golos e perde quem mais sofre golos, quando um grupo de trabalho chega a este patamar, a equipa técnica pode ficar descansada e ter a certeza, que o caminho trilhado é o caminho correcto;
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