A pandemia que vivemos trás consigo novos desafios a quem vai iniciar em
breve os seus treinos e as suas pré-épocas. Após um tempo demasiado longo de
paragem e de inatividade, os desafios que nos coloca a presente situação são
claramente diferentes do que seria a retoma normal da pré-época. Há um conjunto
de questões importantes a serem colocadas antes de partimos para o trabalho:
quanto foi o tempo de paragem? O que os Guarda-Redes (GR) fizeram durante essa
paragem? As respostas e reflexões que apresento são mais predominantes numa
realidade de futebol sénior, mas podem-se aplicar à formação.
É importante perceber que longos tempos de paragem e inatividade trazem
grandes desafios ao processo de treino. Estamos a voltar a começar do zero, ou
quase do zero. Mas isso também é uma possibilidade para procurar diferentes
soluções. No caso dos Guarda-Redes as perdas são enormes, pelo menos pelo que
tenho inferido, principalmente e para além das físicas, a noção de controlo
corporal em gestos mais complexos, a noção de tempo e espaço que afeta a leitura
de trajetórias e a perceção de quando e onde atacar a bola e toda a
“sensibilidade” corporal e das mãos ao cair e ao tocar na bola. Se era “pezudo”
vai parecer mais “pezudo”. Claro que há exceções, daí ser importante perceber o
que cada um dos nossos GRs andou a fazer durante este tempo de paragem (quando
não foi possível a nós controlar parte desse trabalho off season).
Começando pelo desenvolvimento do que são as capacidades físicas, acho importante, se tivermos tempo para o fazer, começar de uma lógica extensiva para uma lógica mais intensiva e de uma lógica de capacidades mais gerais para as capacidades mais específicas. Iniciar pela resistência progredindo ou a par da força e depois seguir para a velocidade e outros tipo de força mais baseadas na velocidade, como por exemplo a potência ou a força explosiva. Não nos podemos esquecer que as estruturas musculo-tendinosas não estão preparadas ainda para receber esforços de alta intensidade. Aliás, até o podem receber mas a capacidade base não estando lá, o risco de lesão e de o treino não ter efeito é grande. Como já ouvi por aí dizer quando nos referimos à força: não havendo músculo bem trabalhado e desenvolvido de nada vale o especificar para ser potente ou rápido porque a sua capacidade máxima rapidamente será atingida. O que quero dizer com isto é que é importante periodizar pensando em todas estas componentes. Criar uma base para o que vem depois.
Quanto ao trabalho mais específico, acho importante irmos com calma na
introdução de conceitos técnico-táticos. Principalmente se forem de maior
complexidade ou aos quais os GRs não estão habituados. Porque o que vai
sustentar a ação tática normalmente será a ação técnica. É por aí que devemos
começar. Partindo do exemplo do momento de jogo da defesa de baliza, que é o
que eu acho que se deve começar, antes de colocar o GR a voar e a defender
grandes remates temos de “bater” nas bases: a posição base, os deslocamentos e
as técnicas gerais. E ir progressivamente introduzindo mais algum conteúdo. E
aproveitar este tempo para corrigir, se possível, algum vício que venha a afetar
a performance no futuro. Depois introduzir referências de jogo, a baliza.
Muitos contactos com bola são fundamentais, tanto com as mãos como com os pés,
afinal se calhar temos GRs que não tocam na bola há 5 meses. Quanto às quedas tenham
calma. Vamos na progressão, vamos começar sentados e dar conforto ao GR na sua
queda. E daí por diante. Podemos ou não misturar os contextos de jogo, mas se
queremos passar uma ideia clara e temos tempo devemos simplificar e focar-nos
em pouca coisa de cada vez.
Para concluir: não há fórmulas mágicas! O contexto dita muito do que é a nossa ação como Treinadores no processo de treino. Mantenham o clima aberto e vão falando com os vossos GRs. Como eles se sentem e como eles reagiram a determinado trabalho. Fica a dica: para aguentar tempos de tempestade a casa tem de ter boas fundações. Não vamos começar a construir a casa pelo telhado. Pode doer, pode ser difícil, às vezes até pode ser chato, mas acreditem que irá fazer a diferença.
Juntos somos mais fortes,
Miguel Menezes |
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