Qual a possibilidade de vivermos o nosso
dia-a-dia de maneira diferente daquela que vivemos dentro do Futebol? Será possível
vivermos, agirmos e interagirmos com um comportamento e intensidade totalmente
divergente de um Mundo Desportivo, com tantas características semelhantes ao
que vivemos constantemente diariamente?
Esta dicotomia representada em alguns
agentes desportivos pode ser vista e compreendida através de várias formas. Se,
por um lado, torna-se fundamental dar uma visibilidade profissional e
organizacional irrepreensível no que concerne ao método de trabalho de cada
instituição e ser fundamental conhecermos e respeitarmos os valores
implementados dentro de cada um, torna-se também fundamental implementar um
bocadinho de cada um de nós dentro do nosso trabalho pois, sabe-se que a
vontade de produzir mais e melhor cresce quando cada empregado se sente
valorizado e parte de algo maior.
No entanto, é impossível para qualquer
Treinador ganhar o respeito de um balneário e dos seus Atletas caso não seja
verdadeiramente genuíno, honesto e frontal em cada situação. O Treinador poderá
efetivamente praticar, criando contextos de elevada tensão emocional ou a comunicação verbal diferir da imagem não verbal que impõe sobre os atletas, tal como Jorge Simão refere “por mais satisfeito que esteja, muitas vezes penso que eu não posso aparecer com essa cara à frente dos jogadores e, então, é um trabalho meu de preparação para que, quando eu apareça à frente deles, não esteja assim.”. Situações pontuais em
que o Treinador mexe com o sentimento global do grupo e o conduz por um caminho
que tem como finalidade a superação de certos obstáculos, não poderão ser
equiparadas ao Estilo de Liderança habitual e que caracteriza cada Treinador.
Esta dissociação de personalidade, que
alguns poderão até tentar normalmente, terá consequências a médio/longo prazo
pois, tal como se vai sabendo, a vertente desportiva é importante mas, numa
geração com valores totalmente renovados e diferenciados em relação ao que se
encontrava habitualmente dentro de um balneário, a vertente Social e a forma de
lidar com ela torna-se fundamental!
Numa fase em que muito se discutem e incutem
Modelos Formativos e se dá um ênfase aos Processos de Certificação dentro dos
clubes, que levarão supostamente a um futuro cada vez mais promissor e risonho,
torna-se fundamental conciliar uma Sociedade ainda movimentada e saciada pela
vitória, com a passagem de valores dentro do período formativo dos Atletas.
A associação do meio Social com o meio
Desportivo trará principalmente uma melhor performance dentro de campo. Isto é,
se um Atleta não se sentir suficientemente motivado para se dedicar com alma e
coração e dar o seu melhor, como poderá ter um rendimento positivo para si e
para o seu grupo? Se um Atleta não tiver as condições criadas para se juntar a
um Grupo de Pertença como poderá ter voz ativa, participar e ter Espírito de
Equipa e Sacrifício suficientes que são valores com índices aumentados dentro
do Desporto e que lhes poderão ser úteis na sua vida diária, mesmo que noutra
profissão?
Mais do que formar jovens desportistas deve
o Treinador criar condições para formar e moldar um Jovem, de forma a se
inserir numa sociedade totalmente diferente e muito mais selvagem do que outrora. Esta é uma situação que até certo ponto é acompanhada e pouco
descurada em certas etapas formativas, mas como bem se sabe, vários são os
momentos em que se olha mais ao resultado e menos ao desenvolvimento do jovem
Atleta.
Então, primeiro que tudo, até quando se
encontra um Atleta em formação? Chegando aos aos Sub-16 costuma-se dizer que
“já não é formação é competição”. Esta é uma frase utilizada e reutilizada para
se olhar um pouco mais àquilo que o Atleta já deverá saber e olhar-se cada vez
mais ao resultado pois, na realidade, todos querem vencer a partir de
determinada altura. Esta premissa impede então que se continue a olhar para o
crescimento contínuo do Atleta e a lecionar conteúdos? Supostamente não. É
possível ajudar a educar um Atleta e guiá-lo pelo seu caminho de crescimento
pessoal, social e desportivo, não se olhando ao resultado somente como uma
vitória, empate ou derrota, mas sim como resultado de uma avaliação positiva
naqueles que são os conteúdos aprendidos semanalmente.
Não vale tudo e, nestas idades (dos Sub-15
aos Sub-19) é importante ganhar, mas mais importante ainda é saber ganhar. Não é
uma visão romântica do assunto, é um equilíbrio do querer ganhar, dando espaço
para que o Atleta continue a crescer e se continue a divertir, desenvolvendo as
suas capacidades e não se tornado num produto estanque. É vital esta fomentação
do gosto pelo Desporto para o resto das suas vidas Adultas.
Este será o ponto de desenvolvimento que
considero fundamental pois, nessas idades os Atletas passam a conhecer novas
realidades e a dar valor a outras opções. Este “sonhar” de ser parte de algo
maior será fundamental para termos menos desistências a partir de certa idade.
É este o trabalho mais difícil, conseguir que continuem a evoluir tanto quanto
evoluíram até ali, ao patamar de olhar um bocadinho mais para a vitória. Se é
fácil e é para todos? Não! Mas o Treinador de Formação também se encontra
sistematicamente em formação e saber o que cada um dos Atletas precisa para
melhorar, torna-se um desafio interessante e preparativo para quem um dia almeja
trabalhar com Atletas com outra capacidade e rotação.
Nisto, resta-nos então refletir. Até quando
será a etapa formativa de um Atleta? Um Atleta Júnior deixará de estar em
formação ou, por exemplo nos Sub 23, ainda estará em formação? Será esse o
período de maior formação dos Atletas? Tanto para responder e tanto para
aprender... Eu e tu, o Treinador e o Jogador.
Porque antes do Ser tens mesmo de “querer e
aprender a Ser”.
Ricardo Carvalho |
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