Considero que uma das maiores virtudes de um treinador é ter a capacidade de conseguir chegar aos seus jogadores. A capacidade persuasiva é uma das facetas obrigatórias de um treinador, de forma a convencer os seus jogadores para onde ir, e o que fazer para lá chegar. Esta tarefa é muito mais difícil do que parece, creio ser onde a maioria peca, e sem esta capacidade jamais o técnico e o táctico resolverão os problemas da equipa, por muito que o treinador tenha essas capacidades aprimoradas. Para o treinador de formação esta realidade não é diferente.
É
para mim relevante atentar à realidade com que a maioria das crianças vive nos
tempos que correm. Seja por experiência própria de lidar com crianças/jovens,
seja pelo que vejo, ou pelo que me contam, os sinais são alarmantes e requerem
uma reflexão. Todos nós já sabemos que os jovens vivem uma grande percentagem
do seu dia numa realidade virtual, em que as redes sociais, as interações à
distância (também agravadas pela pandemia da covid-19) não fogem ao quotidiano
das pessoas. Isto cria numa inaptidão gritante em socializar, uma incapacidade
de foco e atenção em qualquer outra tarefa que não seja o aparelho, aparelho
esse que quando não está presente representa uma incapacidade de saber estar
imediatamente visível a quem aprecia. Realçar que, para adultos isto é grave,
para crianças (futuros adultos em fase de aprendizagem de todas estas
capacidades acima mencionadas) é gravíssimo. Já aqui voltaremos…
É
para mim também relevante explorar um bocadinho a questão da educação e da
forma como os pais hoje em dia tendem a lidar com os seus filhos. Referir que a
minha autoridade e experiência nesta matéria são nulas, o que poderá levar a
algumas ideias mal fundamentadas, mas permitam-me atirar o barro à parede. Cada
vez mais tenho a sensação de que as crianças são hoje em dia (para todas as
reflexões deste texto existem casos à parte que se distinguirão pela positiva) criadas
numa bolha, onde cada vez menos a capacidade de iniciativa da própria criança é
destruída desde cedo. Vou um bocadinho mais longe quando digo que hoje em dia
os jovens não sabem lidar com frustração, tristeza, insatisfação ou insucesso,
ou porque os pais resolvem, ou porque se refugiam mais uma vez no ecrã, esse
belo e precioso aparelho que todos os males elimina.
Fazendo
a transferência destes pensamentos para o futebol, sempre com a máxima em mente
de que qualquer insucesso do jovem é culpa do treinador ou do professor (forma
de pensar cada vez mais enraizada no nosso dia a dia) parece-me que a
dificuldade de um treinador lidar com o seu jovem jogador é cada vez mais
difícil. Primeiro, a capacidade de concentração é cada vez mais nefasta (muito
difícil manter um foco numa explicação de dois minutos). Segundo, porque hoje
em dia um feedback em relação ao jogo é sinal de que o treinador não gosta do
atleta, uma correção de comportamento é sinal de maus-tratos. Começa a ser cada
vez mais difícil chegar a quem tem medo de questionar, a quem não tem
capacidade de interação e a quem leva tudo a peito, seja uma correção técnica
ou tática, seja um incentivo para elevar a qualidade de jogo, seja um momento
de exigência. Curiosamente, esta dinâmica contrasta totalmente com as
expectativas, maioritariamente, exacerbadas que os pais têm em relação aos
filhos no futebol.
Registo
um apontamento de uma pessoa ligada ao futebol que assistia à palestra do
treinador no balneário à equipa, no intervalo de um jogo cujo marcador se
situava em 1-1, com jovens de 14/15 anos: “o treinador estava entusiasmado, o
jogo estava a ser bom, durinho, um golo para cada lado. Deu imensos feedbacks à
equipa sobre como poderiam ganhar o jogo. Correções táticas, incentivos
motivacionais, disse que só dependia deles aquela vitória. Os jogadores
estavam, muitos deles desconcentrados, alguns deles amedrontados com as
correções, então quando a correção era sobre um comportamento individual
ficavam chateados…” O jogo terminou, e a derrota veio. Ficou 3-1 no marcador. O
que terá sido dito no outro balneário?
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