Construir a forma de jogar de uma equipa é o que, mais do que nunca, distingue diferentes categorias de treinadores. Todas as boas ideias têm a força dos princípios. Saber como dar-lhes vida em diferentes contextos é, fundamentalmente, uma questão de entender que, no futebol, nada funciona através de um simples transplante metodológico.
Só
entendendo o princípio da especificidade um treinador consegue interpretar corretamente
a maleabilidade do modelo de jogo. Por isso, entendo que o modelo de jogo, a
ideologia futebolística do treinador, nunca deve ser negociável. O que tem de
ser flexibilizado (negociado) em função das circunstâncias, é a periodização da
construção desse modelo de jogo. São coisas diferentes. Deve-se como que
modelar o modelo às diferentes realidades. Isto é, hierarquizar a
transmissão/aquisição de princípios em função das necessidades e capacidades da
equipa, até ela atingir a mesma ideologia de jogo (embora obrigatoriamente com
expressão técnico-individual qualitativa diferente) que precede esta avaliação
concreta. Ou seja, pode-se querer uma equipa a jogar mais em posse, alargando o
jogo na organização ofensiva, mas se pela avaliação da
qualidade/disponibilidade tático-técnica do plantel percebermos que ela irá
passar a maior parte do tempo sem bola e na organização defensiva, então a
prioridade no treino dos momentos do jogo e sua transmissão de princípios deve
ser outra.
Privilegiar
então o momento de organização defensiva (sem posse, ocupar espaços, trabalhar
a recuperação e interceção de linhas de passe) aprendendo a fazer circular a
bola por trás no meio-campo defensivo, algo que é indispensável para uma equipa
dita mais pequena, saber fazer para ganhar confiança e personalidade (como
grupo e nos jogos, especificamente). Não é obrigatório que só por ver como as
características da equipa não favorecem uma cultura de posse (indo assim passar
a maior parte do jogo sem bola) que o treinador deva optar logo por um jogo
mais direto, abdicando do que seria o seu modelo, da ideia de jogo que
considera a melhor forma de jogar bom futebol. Portanto, a periodização da
transmissão/aquisição de conhecimentos táticos (princípios de jogo) é que é
negociável. Por isso, o modelar-se do modelo. Porque o bom futebol, como cada
jogador ou equipa (suas características e necessidades) são especificas.
O
segredo passa por descobrir qual a melhor forma de hierarquizar a transmissão
dos princípios e subprincípios de maneira a que eles sejam o melhor possível
incorporados pela equipa. É um caminho difícil, sem dúvida. Mas é o único que
faz sentido em termos de identidade futebolística. É um livro aberto às
diferentes realidades que vai encontrando na vida (de equipa para equipa). A
sua aplicação/construção é que tem de ser contextualizada/hierarquizada.
Isto
é, a possibilidade de, com o tempo, poder dizer-se: as equipas daquele
treinador (grandes ou pequenas) jogam daquela maneira. Ganham ou perdem, mas
jogam. Agora, se numa equipa faz um jogo mais direto e noutra mais de posse, é
impossível ganhar uma identidade que o torne numa referência de determinada
forma de pensar e jogar. Situação diferente é não ter jogadores com
características para jogar no seu modelo e ser obrigado a utilizar outro.
A
tática é como a roupa: pode ser diferente em inúmeros aspetos, no entanto,
aquilo que lhe confere personalidade é a pessoa que está por dentro. A
declaração de intenções transmitida pelo sistema tático de uma equipa é a forma
como ela deseja suplantar o opositor, tendo em conta virtudes e defeitos dos
dois lados. Um remate à entrada da área, desviado pela perna de um defensor
para o golo, surpreendendo o guarda-redes, nunca conseguirá ser explicado pela
disposição dos jogadores em campo. No entanto, é possível entender o desenrolar
do lance até ao momento do remate (tendo em conta que a defesa estava
corretamente posicionada ou não) através dos padrões de interações que definem
a ideia de jogo de uma equipa.
As
equipas mais modernas na interpretação do jogo coletivo têm-nos apresentado uma
evolução da função: deixou-se de considerar apenas o papel isolado de um
jogador para se considerar as associações entre ele e aqueles com quem mais
interage.
Não
existindo, parece-me, uma definição para isto, importa mais entender o seu
efeito. Em equipas que se movem como se fossem apenas um ser não fará sentido
sequer falar em sistema.
Uma
ideia proveniente da reflexão deste tema, leva-me a considerar que o efeito da
falta de um elemento numa equipa mecânica é menos grave do que a mesma falta
numa equipa orgânica. No entanto, a riqueza de soluções e processos existentes
numa equipa orgânica é tremendamente superior à da mecânica e provavelmente os
resultados são melhores e esteticamente muito superiores.
A
ideia base da aprendizagem diferencial é oferecer ao atleta uma grande
variedade de exercícios para induzir a um processo de auto-organização da sua
aprendizagem e evolução. O treino diferencial favorece as flutuações, ou seja,
a ocorrência de “erros” para aprender. Considera as flutuações como desvios a
um ponto de referência, sendo estas diferenças que permitem ao sistema reagir e
adaptar-se constantemente às alterações contextuais.
Em
termos simplificados, Schöllhorn sugere as seguintes indicações para o treino:
1) variação das condições iniciais e finais de um movimento; 2) mudança na
magnitude das variáveis; 3) mudança na evolução, ou desenvolvimento, do
movimento no que respeita à sua duração absoluta e relativa e ao ritmo. De
destacar que o trabalho preconizado por Schöllhorn tem sido utilizado tanto em
desportos individuais (atletismo, ginástica, ténis, karaté) como coletivos
(voleibol, basquetebol, futebol).
Segundo
o professor Júlio Garganta (2007), falando especificamente de uma modalidade:
“o futebol só faz sentido entendido dentro de uma proposta tática, com o treino
visando a implementação de uma “cultura para jogar”. Para o professor, “a forma
de jogar é construída e o treino consiste em modelar os comportamentos e
atitudes de jogadores/equipas, através de um projeto orientado para o conceito
de jogo/competição.
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