Se há um ano alguém dissesse que o Benfica de Schmidt ao fim de 13 jogos em 2023/2024 iria averbar tantas derrotas quantas as averbadas em 55 jogos disputados ao longo da época 2022/2023, muito provavelmente essa pessoa seria apelidada de anti-benfiquista ou especialista de outro desporto que não o futebol.
A forma afirmativa como
conduziu o clube da Luz ao 38º título de campeão nacional elevou Schmidt a um
patamar de imunidade às críticas. Tudo o que fazia (e fizera) parecia perfeito,
fora da caixa, de uma assertividade e de uma capacidade de antecipação espantosas.
Desde o discurso nas
conferências de imprensa pré e pós-jogo, ao modelo de jogo notoriamente
influenciado pela escola alemã (com especial destaque para o pressing e o gegenpressing),
passando pelas folgas inusitadas sempre que havia pausas para o campeonato, o
treinador alemão chegou a ser considerado um gestor exímio, um condutor de homens
excepcional, um orador assertivo, enfim, uma autêntica lufada de ar fresco no
panorama futebolístico nacional.
A prestação na Champions endeusou-o
ainda mais, especialmente aos olhos dos adeptos benfiquistas, e tornou-o numa
espécie de treinador referência para o Benfica europeu que adeptos e
simpatizantes tanto desejam ver de regresso ao dia-a-dia e ao adn do clube.
Tudo isso acabou por desviar
o olhar das tais folgas prolongadas que retiravam foco, mentalidade competitiva
e ritmo competitivo à equipa; da incapacidade para fechar o campeonato em sua
casa frente ao FC Porto de Sérgio Conceição; do discurso (tom e conteúdo) que
foi-se alterando após as primeiras derrotas; das dificuldades sentidas nos
jogos contra o SC Braga, o Sporting CP, o Vitória SC e o Vizela, por exemplo.
Nada disso justifica, no
entanto e na plenitude, este arranque titubeante por parte da armada de Schmidt
em 2023/2024. O que poderá estar então por trás deste início de época
conturbado do actual campeão nacional?
Incapacidade para
rever o Modelo de Jogo
Só este tópico ajuda a
perceber boa parte dos actuais problemas encarnados. E é o principal factor
para tudo o que de menos bom temos visto no SL Benfica 2023/2024. Apesar de ter
mais opções (especialmente) do meio-campo para a frente, Schmidt perdeu dois
jogadores fundamentais na conquista do título da época passada.
Grimaldo, além de tudo o
que representava em termos estatísticos (golos e assistências), era um dos
principais desequilibradores no momento ofensivo encarnado. Tecnicamente
dotado, era uma mais-valia pela forma como desequilibrava a jogar por dentro e por
fora, tornando a fase de criação encarnada muito mais imprevisível. Era
igualmente fundamental para ajudar a equipa a sair de forma apoiada de zonas de
pressão (ainda hoje uma das maiores debilidades do modelo de jogo de Schimdt).
No último terço era o melhor amigo dos avançados pela facilidade com que lhes
endossava a bola com a precisão necessária para uma finalização certeira.
Gonçalo Ramos mostrou na
época passada que era importante não só pelos golos que marca e pelos espaços
que cria com as suas movimentações, mas também pela forma empenhada e abnegada
com que se entregava ao trabalho defensivo em prol da equipa.
O jovem avançado era o
primeiro a reagir à perda da bola, o primeiro a pressionar o portador da bola e
ainda se desdobrava para fazer coberturas aos colegas de ataque menos
competentes ou comprometidos no momento da transição ataque/defesa. Um comportamento que não só impedia os
contra-ataques adversários, como também ajudava a que a equipa ganhasse tempo
para se recompor e reequilibrar.
Qual a relação
causa/efeito destas duas saídas e o futebol praticado no início desta época?
Simples, a meu ver. Tal como tenho vindo a referir noutros fóruns, Schmidt quis
manter o modelo de jogo sem ter em consideração que os substitutos de Grimaldo
e Gonçalo Ramos não são capazes de dar à equipa o mesmo que os ex-jogadores
davam.
Um erro crasso e que tem
tido um impacto tremendo na forma como a equipa ataca (menor ligação intersectorial
desde a fase de construção até à fase de definição) e defende (muito mais incompetente
em transição ataque/defesa). Basta atentar na contra-pressão inexistente e
ineficaz (quando a tenta) e que tinha em Ramos um dos seus principais rostos.
Se Schmidt não revir o
modelo de jogo (e isso não implica alterações tácticas, mas sim alterações posicionais
e comportamentais), dificilmente veremos o Benfica em condições de renovar o
título de campeão nacional e de garantir a continuidade nas competições
europeias.
Dilema na Baliza
A forma como Schmidt geriu
a permanência e posteriormente a saída de Odysseas Vlachodimos é uma mancha na
gestão do grupo. E criou um clima de desconfiança dentro do balneário (de forma
indelével, na minha opinião) junto dos restantes jogadores pois, nas costas dos
outros vemos as nossas.
Essa desconfiança mina
tudo o que de bom havia sido feito. Não vale a pena evocar os feitos do passado
recente quando ao mais alto nível todos têm de prestar provas todos os dias: de
coerência, de congruência, de ética de trabalho, de valores, etc. Não vale a
pena dizer que as pessoas têm memória curta quando o primeiro a adoptar esse comportamento
foi o próprio Schmidt em relação ao internacional grego.
Se os resultados continuassem
a ser positivos, provavelmente Odysseas não seria tema, mas a verdade é que o
futebol é o momento e o actual momento encarnado não é de bons resultados.
Muito menos de boas exibições. E nos momentos menos bons, por muito unido que
seja um grupo de trabalho, as incoerências e incongruências do líder assumem
maior relevo e têm mais impacto.
Eclipse Florentino
O gegenpressing da época
passada teve 2 grandes rostos: Gonçalo Ramos e Florentino Luís. Se o avançado
tinha a importância já aqui mencionada, o médio tinha uma importância ainda
maior no momento da reacção à perda de bola, da contra-pressão e da transição ataque/defesa.
Quem não se lembra de ver
Florentino a saltar na pressão, com Enzo a ficar mais atrás para depois variar
o flanco ou conduzir a bola ganha pelo médio defensivo encarnado? Quem não se
lembra de ver Florentino a recuar rapidamente para fazer as devidas coberturas
aos laterais ou centrais? Quem não se lembra dos números alcançados no palco
maior em termos de competições de clubes?
Florentino era o esteio
da equipa em termos de equilíbrio. Garantia rapidez e agressividade sem bola.
Garantia inúmeras recuperações no meio-campo ofensivo. Garantia o trabalho de
sapa que permitia aos artistas criar e finalizar com mais tranquilidade.
Esta época, fruto do maior
leque de opções, Schmidt tem relegado Florentino para o banco. Outro erro
crasso. Num modelo de jogo em que os laterais estão constantemente projectados
em simultâneo no momento ofensivo, em que a equipa continua a ser mais competente
em transição defesa/ataque do que em ataque organizado, em que o caos (posicional)
e o acaso (ao nível da tomada de decisão face ao caos) são maiores no último
terço, não ter Florentino na equipa equivale a ter três faixas de Via Verde no
corredor central defensivo da equipa.
Aursnes Multifunções
Um dos jogadores mais
criteriosos da equipa em todos os momentos e fases do jogo tornou-se num
utilitário multifunções. Enquanto treinador aprecio e valorizo a polivalência,
mas retirar Aursnes do seu habitat natural de 2023/2024 (ala esquerda, essencialmente)
é um crime lesa-pátria para este Benfica.
Schmidt perde critério no
último terço, perde capacidade de associação, perde entendimento e leitura de
jogo, perde capacidade de pressão e contra-pressão, perde boa parte do que de
melhor se viu na Luz na época passada. Não só porque as alternativas nas
laterais não foram devidamente acauteladas, mas essencialmente porque há mais
opções do meio-campo para a frente.
Kokçu, Di Maria,
Neres, João Mário, Guedes, Schjelderup…
Quantos treinadores em
Portugal não adorariam ter boas dores de cabeça como as que deveria ter Schmidt?
No entanto, o excesso de opções, juntamente com um modelo de jogo inadequado
perante as características do plantel, tem levado o treinador alemão a cada vez
mais erros de casting.
Num cenário potencialmente
ideal para uma rotatividade que pudesse potenciar a competitividade interna do
plantel, Schmidt tem somado erros atrás de erros, os quais traduzem-se em menor
ligação no momento ofensivo, menos critério, menos fluidez e mais dificuldades
para chegar às zonas de finalização com qualidade colectiva.
Leitura de jogo a
partir do banco de suplentes
Não é novidade, mas este
ano é ainda mais notório. Raras são as vezes em que a leitura de jogo a partir
do banco de suplentes por parte de Schmidt tem o resultado pretendido. Uma
lacuna gritante especialmente nos jogos de maior grau de dificuldade interna.
O Benfica ainda pode vir
a ser campeão nacional…se Schmidt e a sua equipa técnica perceberem que não
podem querer resultados diferentes se estão constantemente a fazer a mesma
coisa. Caso contrário Rúben Amorim e Sérgio Conceição têm via verde para o
título.
A pergunta que se coloca
é precisamente aquela que intitula este artigo: posto isto, Quo Vadis, Benfica?
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