O futebol é um jogo de tendências. É normal que assim o seja. Quando algo dá certo, rapidamente todos os outros intervenientes correm a experimentar nas suas equipas ou no seu jogo. Naturalmente perceberão se isso beneficia ou não o seu jogar e levará com as consequências momentâneas disso. É isso que origina a constante busca por mais conhecimento e sede em melhorar o seu jogo, em trazer surpresas ao jogo e dificultar a vida aos seus adversários.
Desde sempre que algumas
mudanças trouxeram algo de novo ao jogo. De tempos em tempos, algo pega de moda
e a maioria das equipas/jogadores acaba por implementar no seu jogo. Quando
algo está bem e parece imbatível, é como se todos os outros estivessem no seu
próprio laboratório a perceber qual o antídoto para o combater e derrotar. Foi
assim em toda a história da modalidade, basta atentar ao real motivo de se optar
por um futebol mais apoiado em detrimento do futebol mais direto, de se jogar
com um líbero até determinada altura, das marcações individuais ou zonais, de
defender mais dentro ou mais fora e podia continuar com todas as mudanças que
foram operadas e têm sido significativas para um futebol cada vez mais
aperfeiçoado e estudado.
Com o desenvolvimento
acentuado que se tem assistido no jogar de cada equipa e jogador, algumas caraterísticas
e ações foram ficando para trás. Algumas delas caíram no esquecimento, foi-lhes
atribuída uma importância menor.
Saber cabecear corretamente
para ganhar a primeira bola e ajudar a equipa a manter a posse. Driblar e ir no
1vs1 sem receios, deixar o adversário pregado ao chão. Os extremos que
procuravam constantemente as diagonais/paralelas nas costas da defesa. Os 10 a
quem era entregue a batuta para que resolvessem com a sua classe. Não podia
deixar de referir claro, aquilo que me levou a escrever sobre isto, o remate
fora de área. O pontapé-canhão. Aquele que o jogador treinava durante dias a
fio de forma a arranjar o seu espaço no campo para enfiar um valente “bujardo”
na baliza adversária. O remate em banana. Aquele que o jogador treinava dias a
fio de forma a arranjar espaço no campo para pegar no giz e desenhar o arco que
a bola ia descrever até encontrar o ninho da coruja na baliza adversária.
Longe vão os tempos das
bolas fatiadas por Beckham, Ronaldinho ou Luís Figo. Os mísseis de Roberto
Carlos e Adriano. O tomahawk de Cristiano Ronaldo. Os remates cheios de crença
de Pirlo, Lampard, Gerrard, Quem não se recorda daquele magnífico golo de
Zidane à meia-volta? Grandes golos constantes que ficavam claramente na retina.
A nível nacional também tínhamos exemplos como aquele mítico movimento para o
interior e fatiada de Simão Sabrosa, a crença em cada remate de Maniche e Rui
Costa ou a clássica trivela de Quaresma.
Olhando aos jogadores que
se destacavam no remate é possível associar a forma como eles assumem a
responsabilidade, a irreverência em tentar algo de difícil, mas que pela
confiança no sucesso das suas ações leva a que acreditem que conseguem chegar
ao golo dessa forma.
É até engraçado que os
golos mais bonitos, aqueles que os adeptos mais gostam de ver são também aqueles
que cada vez mais tendem a aparecer de forma muito pontual. Veja-se que se
pedirmos para eleger um lance para um “top golos”, a grande maioria iria
escolher um lance individual que culminou num remate de longe para a baliza a
dar em golo.
Naturalmente este tipo de
golos acaba por surgir em meios com futebol mais selvagem e mais anárquico. Jogos
com grande cariz tático tendem a ter o espaço em frente à área bem povoado. Contudo,
quererá isso dizer que é uma arma que não deva ser mais explorada?
Todo o desenvolvimento técnico-tático
a que se assistiu nos últimos largos anos trouxe a ilusão de uma escola em que o esteticismo
do futebol se carateriza pelo passe curto, por uma teia montada com a bola de
pé para pé a fazer corar a relva. Uma estética que se valida quando o golo é
conseguido depois de uma quantidade absurda de passes ou de uma jogada caraterizada
pelo primeiro toque e em que se entra quase com a bola pela baliza dentro.
Entremos por um qualquer campo na distrital e vamos verificar se não haverá adeptos a reclamar o mítico
“chuuuuutaaaa!!!!!” quando os jogadores se encontram com espaço em frente à área. Algo
que é prontamente contestado pelo procurar de uma melhor posição para desmontar
a defensiva adversária, circulando de um lado ao outro até que muitas vezes a
bola acaba por sair pela linha de fundo, mesmo que a equipa se encontre a
perder e o jogo esteja a terminar.
Esta opção por circular e
manter a confiança de que em algum momento se vai encontrar o espaço para cruzar
ou para colocar no espaço vazio a ser ocupado por alguma diagonal curta, leva a
que o jogo por vezes se torne previsível e de difícil compreensão. Se não
houver pelo menos uma ameaça de remate ou um remate quando há espaço, fica mais
fácil para a defesa controlar a ofensiva adversária. Os guarda-redes terão
dificuldades também na defesa desse tipo de ações, ora por terem muitas pernas
à frente, pela possibilidade de bater em alguém e desviar a trajetória ou simplesmente
pelo arco que a bola pode fazer.
Parece-me então claro que
se deve libertar o jogador para mais momentos desses. Não me digam que faz sentido
nas vossas cabeças trabalhar finalização com remates de longe e depois não
permitir esse tipo de momentos em jogo ou somente trabalhar finalização a partir
de situação de cruzamento e não dar espaço a outro tipo de opções.
Todos os golos são bonitos,
como se costuma dizer. Com um futebol tão rendilhado e as equipas a defenderem
em frente às suas áreas deixando o espaço nas laterais para caírem depois na
pressão, porque não procurar explorar isso através do remate? Tal e qual como se
fazia antigamente. E quando o espaço lateral já tiver sido ameaçado, o centro também
poderá ser explorado.
Numa altura em que tanto
se fala da falta de lances de criatividade individual, libertar os jogadores
para se sentirem confiantes em assumir e tentar pode ser mais um fator de sucesso
para o coletivo. O individual a surgir no coletivo e o coletivo a proporcionar
o melhor que o individual pode trazer ao jogo.
RICARDO CARVALHO
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