Quantas vezes ouvimos que o Treinador A operou um verdadeiro milagre ao
salvar a sua equipa de uma descida de divisão? Ou que que determinada equipa
alcançou um pequeno milagre ao conseguir vencer, com um orçamento cem mil vezes
inferior, uma equipa candidata a todos os títulos no seu país? Muitas, não?
Mas será mesmo assim? Serão esses os grandes milagres do Futebol?
Pessoalmente não os considero como tal. Antes pelo contrário. Não vejo nada de
extraordinário nesses feitos, especialmente se atentarmos ao conteúdo
normalmente associado aos mesmos. Ou seja, se percebermos como os mesmo são
alcançados.
Porque, a meu ver, os verdadeiros milagres são outros. Porque, a meu ver,
um milagre em Futebol é algo contínuo e sustentado e não esporádico e
ocasional. Pode parecer paradoxal, mas espero conseguir mostrar o que me vai na
alma e na mente. Como tal, tenho de vos perguntar novamente: Alguma vez
pensaram acerca dos verdadeiros milagres que acontecem no Futebol, seja ele
Amador ou Profissional, de Formação ou Sénior?
Futebol Profissional
A 07 de Novembro de 2012 o Celtic de Glasgow venceu o Bercelona por 2-1
em jogo a contar para a Liga dos Campeões. Os escoceses, a jogar em casa,
conseguiram alcançar uma proeza hercúlea, de facto, pois marcaram dois golos em
apenas três remates enquadrados com a baliza catalã, num jogo em que tiveram apenas
16,4% de posse de bola. Um registo digno do Guiness Book...
Estatísticas à parte, onde podemos encontrar o milagre desta vitória? Na
eficácia escocesa? Na resiliência dos homens de Glasgow? Na capacidade de sofrimento,
como dizem muitos dos nossos Treinadores? Na fortíssima organização defensiva
dos escoceses que permitiu que oito remates catalães fossem enquadrados com a
sua baliza?
Paremos para pensar um pouco, pode ser? Imagine o leitor que é Treinador
de Futebol e que a sua equipa passa um jogo inteiro a defender, não consegue
ter nem 20% de posse de bola a jogar em casa e que, no final dos 90 minutos, mesmo
assim, consegue vencer por 2-1 uma das melhores equipas do Futebol Mundial. Se
isso acontecesse, iria atribuir a conquista dos três pontos a um poder
inexplicável e para lá da racional compreensão humana?
Rio Ave de Miguel Cardoso e Desportivo de Chaves de Luís Castro. As duas
equipas que, no meu entender, melhor Futebol praticam em Portugal, à luz
daquele que é o meu entendimento do que deve ser o Futebol ao mais alto nível.
Orçamentos baixos (mais baixos do que o do Celtic de Glasgow), jogadores
desconhecidos, alguns deles oriundos de campeonatos menos competitivos e/ou
divisões inferiores. Mas uma ideia de jogo sedutora, proactiva, desejosa de
dominar e controlar o jogo, mesmo que nem sempre os executantes sejam os ideais
para aquilo que se pretende.
Ainda assim, jogam para ganhar em todos os campos, jogam mais em função
das suas ideias e do seu jogar do que em função do que faz A, B ou C, não
transformam as suas maiores qualidades em debilidades apenas e só para anular
os pontos mais fortes dos adversários. Independentemente do campo onde jogam e
do resultado anterior.
Perante isto, e que me perdoem os fãs e os defensores da Estratégia,
deixo a pergunta: onde está o milagre mesmo?
Futebol Amador de Formação
Um determinado clube com equipas A,B,C e D consegue ser campeão de série
em duas das séries em que compete, sendo que, no final, alcança o título de
campeão distrital de Benjamins ou Infantis. Possui muitos dos melhores
jogadores do escalão por pertencer a um clube denominado “grande”, alguns deles
maiores, mais rápidos e mais fortes fisicamente do que 95% dos seus
adversários. Ganha com a naturalidade de quem tem mais e “melhores” armas,
ainda que muitos dos seus jogos sejam ganhos através de um futebol mais directo
e objectivo, principalmente quando “se apanha” a perder ou a empatar a poucos
minutos do fim. O Treinador é o “maior”, mas curiosamente poucos ou nenhuns dos
seus jogadores acaba por se impor no Futebol de 11 nos anos seguintes.
Um clube modesto, com poucos miúdos, mas com uma boa estrutura humana
(Directores, Treinadores, Pais e Jogadores). Um clube com ideias, ainda que nem
todas sejam exequíveis no aqui e no agora, mas que mesmo assim arrisca e aposta
em tornar o jogo em algo aprazível para todos os seus agentes desportivos. Até
conseguem passar a 1ª Fase do campeonato, ainda se conseguem apurar para a Fase
de Apuramento de Campeão, mas são cilindrados nesse último patamar.
Não vencem um único jogo, quase não conseguem marcar golos, mas nunca
abandonam a sua forma de ser e de estar: jogam apoiado, jogam com alegria,
jogam o jogo pelo jogo porque é assim que ele deve ser jogado naquelas idades.
Esses miúdos, uns anos mais tarde, conseguem singrar no Futebol de 11 do seu
clube, sendo que alguns deles até conseguem “dar o salto” para clubes de maior
nomeada.
Perante isto, e que me perdoem os fãs e os defensores dos títulos de
Benjamins e Infantis, deixo a pergunta: onde está o milagre mesmo?
Futebol Amador Sénior
Uma equipa investe milhares em jogadores experientes e em valores
individuais. Ganha quase sempre graças a isso e, ainda que não haja ali uma
ideia de jogo, as vitórias acabam por camuflar essa pecha. Sobem de divisão,
todos são aclamados, mas enquadrados na nova realidade competitiva, e tendo em
conta que o investimento não cresce exponencialmente, a equipa raramente ganha,
o Treinador é despedido, os melhores jogadores começam a abandonar o projecto e
a descida de divisão é a realidade que se avizinha.
Nesse mesmo campeonato encontramos uma equipa que não paga, que é
composta por uma equipa cuja média de idade ronda os 22 anos, mas que tem uma
identidade perfeitamente bem definida e assumida. Ganha muitos jogos, mas não
os suficientes para subir de divisão. Acabada a época muitos dos seus jogadores
são procurados por outros clubes, a Equipa Técnica é sondada por alguns clubes
e o próprio clube viu reforçada a sua aposta. Os resultados não lhes permitiram
entrar para a História, mas o Futebol praticado sim.
Perante isto, e que me perdoem os fãs e os defensores do Resultado, deixo
esta pergunta: onde está o milagre mesmo?
Laurindo Filho
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