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Futebol vs Futsal e as suas ideias comuns


          Quando comecei a treinar Futsal os mais próximos chamaram-me louco, pois o monopólio é do Futebol e se queres ser alguém é ali que tens que estar. No entanto, o “ser alguém” ultrapassa variadas barreiras de definição. 
No meu caso nunca gostei de pausas. A pausa é enfadonha e desinteressante, para além de dar tempo ao Treinador para ler o jogo, pensar o que mudar, dar as indicações que precisa e, por vezes, até falar com dois ou três jogadores junto da área técnica. Não é um problema do Futebol, o Futebol é fantástico (que modalidade apaixonante e tão mágica). O problema é a necessidade de ganhar e essa necessidade causa isto mesmo, estas pausas, estas contenções desenfreadas, a gestão de posse de bola cheia de lateralidade e segurança, quer dizer, parte do problema é isto, a outra parte do problema é a cultura desportiva instaurada no Futebol que provoca um tempo útil de jogo que vale um terço do bilhete.
O Futsal não é isto (mas começa a dar sinais disso de quando em quando...e isso chateia como tudo). O Futsal é a bola numa baliza e, passados 5 segundos, ser golo na outra, Futsal é um rasgo de génio em meio metro e com um tempo de execução menor a 1 segundo, Futsal é o Guarda-Redes levar com uma Mikasa das bem duras em cheio no nariz, ver a bola sobrar na frente e cerrar os dentes enquanto entrega toda a sua masculinidade à azelhice de quem remata.
Mas para mim, como Treinador, Futsal é decidir num segundo, é perceber o que acontece no momento, é gerir a temporização do jogo com as alterações, sendo que se sente no momento cada peça que se altera. Resumindo, Futsal, para mim, é um momento, enquanto o Futebol por vezes se aproxima da eternidade e é por isso que fiquei apaixonado pelo Futsal.
Contudo as duas modalidades são muito parecidas e não é por ter duas balizas e uma bola, muito menos é pelas simulações e pelos shows de vedetismo que vão assolando qualquer indivíduo que dê um pontapé na bola. É mais pelas ideias que vão criando e transportando de uma para a outra e aqui nem interessa de onde veio, apenas importa que são feitas com inteligência e em prol da estabilidade da equipa ou na procura de uma superioridade momentânea ou suprimir uma inferioridade imediata.


Começamos pelo Guarda-Redes, que hoje começa a ser utilizado como o líbero da equipa, a vassoura que nas costas dos companheiros sai em antecipação, salvando a sua equipa de apuros. No Futebol (falem os mais entendidos e perdoem-me se erro em algo que vá dizer) temos um Guarda-Redes atento às bolas no espaço vazio que uma pressão alta ou um momento de bola parada que chame quase toda a sua equipa para a área contrária possam criar, necessitando uma coordenação e um trabalho de leitura de jogo que possibilite esta antecipação sem perda de tempo. Além disso temos também um Guarda-Redes procurando criar uma situação de superioridade defensiva da sua equipa aquando situações de 1x1, estando pronto para uma dobra rápida para a sobra do drible dentro da sua área de acção.
No Futsal temos o Guarda-Redes a ser utilizado quase para essas mesmas situações, mas sendo chamado a muitas mais acções de cobertura defensiva em momentos de 1x1 do que no Futebol, tendo que actuar com uma velocidade de acção e uma explosão de movimento que deve ser instantânea ao pensamento. Observando um jogo de ambas as modalidades começamos a ver alguns Treinadores exigirem um comportamento posicional do seu Guarda-Redes muito mais activo e interventivo, estando em momento ofensivos da sua equipa bem afastados da sua baliza (por vezes lá aparece um Rui Costa na equipa adversária e leva uma bola directa na baliza, mas são riscos e sem risco isto era uma treta).
Além destas duas situações partilhadas pelas duas modalidades, encontramos outra que é vulgar no Futsal e que começa a ser explorada no Futebol: a dimensão ofensiva que o Guarda-Redes pode dar, tanto a sair com a bola controlada no lançamento de um contra-ataque em busca da superioridade, como na utilização do Quinto Homem (isto no Futsal) ou no lançamento de um rápido contra-ataque com um pontapé longo ou no pontapé de baliza, tomando partido da ausência do fora de jogo (no Futebol e tão bem utilizado pelo Benfica com a nova arma ofensiva do Guardiola).
A construção de situações de 1x1 para aquele jogador mais evoluído tecnicamente é outra das particularidades partilhada pelas duas modalidades. Seja na busca da abertura de um corredor lateral com ausência de cobertura defensiva para um Ricardinho dar um nó cego no seu defensor e partir numa situação de 1x0, seja na movimentação da equipa e da construção da sua posse bola com base no arrastamento do posicionamento defensivo para uma abertura do corredor central que permita a um Messi fazer uma diagonal e depois meter uma bola na gaveta, há um comportamento táctico e estratégico que explora a abertura de espaços decisivos para o jogador decisivo.
Mas isto é um pau de dois bicos, porque posso alertar o meu fixo para não se deixar arrastar pelo pivot e ficar numa situação intemédia que lhe permita fazer uma cobetura efectiva ao Ricardinho, mas depois há uma tabela simples, mas rápida, na ala contrária e a descompensação defensiva está criada, tal como no Futebol em que o jogador da posição 6 (o velhinho Trinco) fica por indicação superior a bloquear o meio que nem um tampão e abre situações de superioridade numérica nas alas.
Outro factor semelhante que se tem desenvolvido imenso são os bloqueios e a utilização dos mesmos em jogadas estratégicas, permitindo o aparecimento de um colega de equipa em situação de golo iminente e aqui tem havido um trabalho fantástico do Treinador para permitir uma coordenação que até provoque uma fuga dos olhares do senhor do apito para uns bloqueios que por vezes roçam a conhecida técnica defensiva de Rugby que se dá pelo nome de “placagem”.
Há muitas mais ideias comuns em ambas as modalidades, mas ficaria aqui um texto quase semelhante a um jogo de Futebol de uma equipa de meio da tabela com um dos três grandes, em que o seu Guarda-Redes consegue ir de reboliços semelhantes a capotamentos da Fórmula Indy para uma estirada milagrosa em que a capa do Super Homem fica escondida em baixo da camisola de jogo num espaço de tempo surpreendentemente milagroso para o recobro de qualquer lesão provocadora de tais reboliços. No entanto, voltarei a estas semelhanças em breve, desenvolvendo um pouco mais o trabalho do Guarda-Redes ou partilhas de ideias que os esquemas de Futsal e de Futebol possuem.


P.S.: Quanto ao meu último texto, em que fiz uma antevisão do que seria o Mundial de Futebol de Praia, acertei em algumas coisas e errei noutras. No entanto fica o excelente Mundial do Irão, o regresso em força do Brasil e a final antecipada que Portugal proporcionou nos Quartos-de-Final, ao não conseguir fugir dos melhores do mundo por um manifesto azar e desnorte na fase de grupos. Para nosso descanso ficou a certeza naquele jogo da qualidade incrível que não deve nunca deixar de nos orgulhar. Continue este crescimento desta modalidade fantástica que bem merece uma crescente adesão.

                                                                           João Almeida

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