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Treinadores de Formação: Como Ensinar Valores Colectivos numa Sociedade cada vez mais Individualista?


Hoje falarei essencialmente para os Treinadores da Formação. Para aqueles que, a meu ver e no actual panorama social, mais dificuldades encontram e mais obstáculos superam para poder desempenhar as suas funções. Principalmente se trabalharem em clubes amadores. Ou em clubes profissionais com estrutura e pensamento amador.
Quantos de vós não tendes sentido na pele o quão difícil é transmitir valores colectivos aos jovens futebolistas de hoje? Quantos de vós não tendes “queimado as pestanas” e ganho “cabelos brancos” aos procurar ensinar valores colectivos a pequenos adultos que não fazem a mínima ideia de que existem coisas mais importantes do que o seu próprio umbigo?
Obviamente que as crianças não têm culpa do actual panorama sócio-cultural em que vivem. Nem sequer são culpados da Educação que lhes dão em casa, na Escola, nos ATL’s, etc. Convém fazer esta ressalva. Não é fácil ser-se criança nos dias de hoje. Não há brincadeiras de rua, não há espaços verdes, não há a segurança que havia, por exemplo, no meu tempo.
Mas, e decorrente daquilo em que se tornou a Educação dos tempos modernos, as crianças acabam depois por ser “culpadas” de não saberem estar em grupo, de não saberem interagir em grupo, de não conseguirem perceber como funciona um grupo. Razão pela qual o papel do Treinador da Formação assume elevada importância…à qual é/está inerente um elevado grau de dificuldade.
Se quiserem ensinar aos jovens o que é a Meritocracia, premiando aqueles que mais “trabalham” e que melhor reflectem o que é saber estar em grupo com mais 5 minutos de jogo em relação aos demais…Ui, que escândalo! E depois lá vem um Pai dizer que paga tanto de mensalidade quanto os restantes Pais e que o seu filho tem de jogar o mesmo tempo do “Quinzinho”.
E ao tentarem explicar a esse Pai que o seu filho é um pouco mais “irrequieto” do que os outros, que não sabe respeitar as regras de grupo e nem sequer sabe cumprir com as indicações que lhe são dadas pelo Treinador…cuidado, problemas a caminho! Porque o seu filho não é assim. Porque o seu filho é um “santo”. Porque o seu filho nunca deu problemas. Porque o seu filho é “perfeito”, claro está!


Se quiserem ensinar aos jovens o que são regras de bom comportamento e boa educação, mesmo que isso implique uma “ida ao banco de suplentes” como forma de reforço positivo…ai que inquietação! Porque os Pais não admitem que o seu filho é mal-educado ou mal comportado. Nem sequer acreditam que o seu filho diga asneiras, pois ele é menino no Coro da Igreja, é assíduo à missa e à catequese.
Se quiserem que o jovem atleta comece a treinar numa posição diferente no campo porque defendem que até certa idade eles devem desempenhar várias funções dentro de campo, ou porque a partir de certa idade acreditam que é na posição X que ele poderá vir a ter melhores desempenhos, bem…Lá vem o Pai dizer que o seu filho não joga como Guarda-Redes, que o seu filho só pode ser avançado, que o seu filho não pode jogar junto à linha…
Que dizer quando tentam mostrar a um jovem atleta que nem sempre marcar golos é o mais importante, que podem e devem “assistir” um colega que se encontre em melhor condição para fazer golo? Querem que o miúdo aprenda a não ser egoísta, a perceber que todos são importantes e capazes de fazer golo, que uma assistência é tão ou mais importante do que um golo…Mas cá fora há o Pai, o Tio, o Padrinho ou o Avô a prometer 5 euros por golo, um gelado por golo, um Big Mac por golo…
A pontualidade é outro assunto interessante. Querem que os jogadores aprendam desde cedo o que é ser pontual, o que é estar a tempo e horas na “concentração da equipa”…mas há sempre Pais que não entendem isso e que chegam atrasados 5, 10, 15 ou 20 minutos. Como bons Treinadores que são, vão aproveitar essa situação para mostrar ao vosso grupo que os horários são para se cumprir. Mesmo sabendo que a culpa não é do jovem atleta, pois ele não conduz ainda, vão querer dar o exemplo. E bem, na minha opinião!
O jogador, que até é dos mais habilidosos e competentes, fica no banco de suplentes…e no final do jogo o Pai já está a ligar para o Presidente ou para o Coordenador, consoante as suas ligações afectivas. Porque o seu filho não pode ficar no banco, porque ele é o melhor marcador de equipa, porque a minha empresa patrocina o clube com X euros por ano, porque isto não está certo...Claro que não. Não está certo chegar atrasado e esperar que o seu filho jogue como se nada fosse. Não está certo ligar para os superiores hierárquicos do Treinador de modo a que efectuem qualquer tipo de pressão sobre as suas decisões.


Muito mais haveria por dizer, pois infelizmente treinar nos Escalões de Formação é tudo menos uma tarefa fácil. Penso que todos já passaram por algo semelhante enquanto Treinadores da Formação. Com muita pena minha, obviamente. E acredito que muitos mais ainda vão experienciar algumas das coisas que enumerei ao longo deste artigo.
Muitos Treinadores da Formação poderão estar a perguntar: “Mas não há volta a dar? Não há nada que possamos fazer para que as coisas mudem?”. Claro que há.
A primeira mudança tem de partir de quem realmente deveria estar a educar as crianças, ou seja, os Pais. Quando começarem a perceber que os seus filhos estão no Futebol, e que o Futebol é um desporto colectivo em que o mais importante é o bem-estar do grupo (se o grupo estiver bem, todos os seus elementos estarão bem), pode ser que deixem de querer apenas e só que os seus filhos sobressaiam.
A segunda mudança passa por quem dirige os clubes. No meu tempo não havia mensalidades. Jogávamos por amor ao Futebol. Hoje em dia muitos clubes que se auto-intitulam verdadeiras Escolas de Formação não são mais do que máquinas de fazer dinheiro, às quais interessam apenas o número de praticantes. Quantos mais jogadores tiverem, melhor, mais dinheiro entra. E essa visão economicista e financeira do Futebol de Formação leva muitos dirigentes a intrometerem-se no trabalho dos Treinadores da Formação. Enquanto os Treinadores querem ensinar, os Directores querem amealhar…
A terceira mudança passará sempre pelos Treinadores. Que, se estiverem dispostos a duras batalhas e a muitas críticas, tudo irão fazer para conseguir efectuar o seu trabalho sem condicionamentos, sem constrangimentos e sem pressões externas. Sabendo sempre que isso poderá originar uma montanha-russa de emoções e situações que, muitas vezes, levam ao despedimento/abandono da actividade. 

                                                                         Laurindo Filho


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1 Comentários

  1. Artigo muito bom que espelha a realidade de alguns treinadores de futebol empenhados na sua formação e que só Deus sabe como conseguem driblar as adversidades materiais e humanas. No entanto como em todas as profissões existem bons e maus profissionais. Como pode transmitir valores quando o profissional não sabe o seu significado? Como motivar o atleta quando as regras não são transversais a todos os atletas? Como explicar a um treinador que o motivo da falta de empenho e motivação pode estar dentro de campo e não fora dele? Enfim existem muitas questões que nunca serão respondidas mas mais que responder nunca serão verdadeiramente analisadas por aqueles que estão na profissão porque lhes dá jeito ter mais uns euros na carteira ao fim do mês... Cumprimentos A frequentar Curso Treinador de Futebol Nivel I

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