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Modelos? Táticas ou simplesmente convicções?


Ouvimos falar cada vez mais (não comentadores), "malta", principalmente do futebol, que enquadram com brilhante mestria a performance global de uma equipa num certo jogo ou jogos, com a compreensão de sistemas ou modelos de jogo. Colegas treinadores que estudam as melhores equipas, decifrando os seus processos de modo a que fique disponível a partilha de uma enorme quantidade de informação, à mão de semear de todos, inclusive dos que nunca partilham nada.
A observação das equipas adversárias e interpretação do seu modelo ou processos sistemáticos é, neste contexto atual do desporto, uma atividade importante para todos os treinadores que pretendem dotar de alguma forma de vantagem competitiva as suas equipas, existindo inclusive equipas técnicas que integram profissionais exclusivos nesta área.  Apesar de ter de existir alguma forma de organização nos processos das equipas e da tentativa de criação de imprevisibilidade no jogo ser fornecida pela tomada de decisão, assim como pela criatividade que os jogadores possam ter, será que não existe uma grande mecanização na atual forma de jogar?
Será que as metodologias de treino implementadas atualmente, nomeadamente no futebol (por exemplo, a periodização tática), desde os escalões de formação, não empregam uma formatação evidente à forma de jogar?
Existe futebol, futsal, basquetebol, andebol, etc. sem sistema ou sem modelo de jogo?
A minha perspetiva e a de alguns colegas, é a de que se caminha para o abandono das convenções.



A tática é como a roupa: pode ser diferente em inúmeros aspectos, no entanto aquilo que lhe confere personalidade é a pessoa que está por dentro. A declaração de intenções transmitida pelo sistema tático de uma equipa é a forma como ela deseja suplantar o opositor, tendo em conta virtudes e defeitos dos dois lados. Um remate à entrada da área desviado pela perna de um defensor para golo, surpreendendo o guarda-redes, nunca conseguirá ser explicado pela disposição dos jogadores em campo. No entanto, é possível entender o desenrolar do lance até ao momento do remate (tendo em conta que a defesa estava corretamente posicionada ou não) através dos padrões de interações que definem a ideia de jogo de uma equipa.
As equipas mais modernas na interpretação do jogo coletivo têm-nos apresentado uma evolução da função: deixou-se de considerar apenas o papel isolado de um jogador para se considerar as associações entre ele e aqueles com quem mais interage.
Não existindo, parece-me, uma definição para isto, importa mais entender o seu efeito.
Em equipas que se movem como se fossem apenas um ser não fará sentido sequer falar em sistema.
Uma ideia proveniente da reflexão deste tema, leva-me a considerar que o efeito da falta de um elemento numa equipa mecânica é menos grave do que a mesma falta numa equipa orgânica, tal como referi anteriormente. No entanto, a riqueza de soluções e processos existentes numa equipa orgânica é tremendamente superior à da mecânica e provavelmente os resultados são melhores e esteticamente muito superiores.
A ideia base da aprendizagem diferencial é oferecer ao atleta uma grande variedade de exercícios para induzir a um processo de auto-organização da sua aprendizagem e evolução. O treino diferencial favorece as flutuações, ou seja, a ocorrência de “erros” para aprender. Considera as flutuações como desvios a um ponto de referência, sendo estas diferenças que permitem ao sistema reagir e adaptar-se constantemente às alterações contextuais. .
Em termos simplificados, Schöllhorn sugere as seguintes indicações para o treino: 1) variação das condições iniciais e finais de um movimento; 2) mudança na magnitude das variáveis; 3) mudança na evolução, ou desenvolvimento, do movimento no que respeita à sua duração absoluta e relativa e ao ritmo. De destacar que o trabalho preconizado por Schöllhorn tem sido utilizado tanto em desportos individuais (atletismo, ginástica, ténis, karaté) como coletivos (voleibol, basquetebol, futebol).
Segundo o professor Júlio Garganta (2007), falando especificamente de uma modalidade: “o futebol só faz sentido entendido dentro de uma proposta tática com o treino visando a implementação de uma “cultura para jogar””. Para o professor, “a forma de jogar é construída e o treino consiste em modelar os comportamentos e atitudes de jogadores/equipas, através de um projeto orientado para o conceito de jogo/competição.


As equipas de Guardiola são especialmente interessantes neste contexto, por partirem de uma ideia organizada que se move em constante alteração durante o curso de um jogo, comportamento que justifica a frase do catalão sobre sistemas serem “números de telefone”. O que importa de facto é a forma como as peças abandonam essa configuração estática para ganhar vida – e jogos e títulos – com bola. Guardiola, relativamente à escolha dos jogadores para formar a equipa do próximo jogo, tem algo peculiar: devem sempre jogar os melhores e os melhores são aqueles que têm coragem e não perdem a bola, sendo que o ideal seria formar uma equipa com onze médios. Sim, onze, porque o guarda-redes também precisa de saber jogar com os pés numa equipa que pretende ocupar o campo do adversário e não sair de lá. 
O foco exagerado em sequências de números e esquemas pode levar à desvalorização de outros aspectos importantes. O conforto que a beleza geométrica da constituição tática de uma equipa pode dar a um treinador pode ser curto quando pela frente se encontra uma equipa onde aparentemente se privilegia o caos. Não um caos qualquer, mas um caos preparado e controlado, que se transforma num “rolo compressor” sobre qualquer adversário que se apresente pela frente. Na verdade, o futebol caminha para esquecer as convenções.


Quando falamos em modelos temos antes demais associar o talento do treinador para.... Quando consideramos o talento de um professor ou treinador, podemos usar o mesmo tipo de reflexão e abordar os mesmos aspetos, embora de forma diferente.  Daniel Coyle (“O Código do Talento”), o autor lista as quatro maiores virtudes dos grandes treinadores. Essas qualidades são decorrentes de observações feitas a uma série de treinadores, não sendo apenas treinadores desportivos. Na opinião de Coyle, “A habilidade de ensinar excecionalmente bem é um talento como qualquer outro: parece algo mágico quando na verdade é uma combinação de habilidades.”. A esse conjunto de habilidades Coyle chamou “As quatro virtudes”.
A primeira virtude constitui-se no “software” do treinador, ou seja, naquilo que ele armazenou ao longo do tempo: a sua memória, o conhecimento, a experiência.
A segunda virtude é a perspicácia. O treinador não apenas vê, mas esmiúça, decifra, identifica, reconhece, atribui uma lógica para o que está a acontecer! Os grandes treinadores “ficam a observar demoradamente, sem sequer piscar os olhos.”. Conseguem ver aquilo de que precisam e vêem também o que não estão à espera de ver. 
A terceira virtude, a que ele chama “O reflexo GPS” é a capacidade de o treinador fornecer dicas que conduzem o atleta à execução ideal. Se necessário, o treinador muda o tipo de informação que emite até conseguir o efeito desejado. Para Coyle, “Quando o plano A não surtia efeito tentavam o B e o C. Quando o B e o C falhavam, ainda tinham todo o resto do alfabeto à disposição.”. Demonstrações de paciência e persistência integram esta virtude. 
A quarta virtude identificada foi a “honestidade teatral”. Trata-se da virtude de o treinador encontrar a forma de comunicar mais adequada para cada atleta, cada situação: encorajando, variando o tom e a velocidade da voz. 
O segredo maior estará sempre ligado ao trabalho...

"Eu não receio aquele que praticou 10.000 pontapés uma vez. Eu receio aquele que praticou um pontapé 10.000 vezes.”- Bruce Lee

Bruno Rodrigues

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