Antigamente jogávamos ao “roda-bota-fora” na rua, com os nossos amigos,
de manhã à noite, desde o nascer até bem para lá do pôr do Sol. Eram tempos de
felicidade e de alegria. Tempos de uma ingenuidade pueril bem própria da idade.
Naquela altura muitos de nós sonhavam ser jogadores, mas aos poucos alguns
começaram a sonhar com a possibilidade de serem treinadores.
É normal que assim seja. Nem todos podemos ser o mesmo, desejar o mesmo,
sonhar com o mesmo. Daí que também seja normal o facto de aqueles que sonham
abraçar uma carreira como Treinadores começarem a preparar-se para esse
momento.
Entra-se nos cursos das Faculdades de Ciência e Desporto, pois percebemos
a importância do conhecimento teórico. Frequentam-se os cursos de Nível I e II
das respectivas Associações de Futebol, pois compreendemos a necessidade de
vermos o nosso conhecimento validado pelo IPDJ. Começam-se a ministrar os
primeiros treinos, pois sabemos que só a prática (da nossa verdade e das nossas
ideias) poderá validar o nosso conhecimento. E damos início ao nosso sonho de
podermos vir a ser profissionais, pois acreditamos que podemos lá chegar
através da qualidade do nosso trabalho, das nossas ideias, da nossa forma de
ser e de estar...
Porém um dia abrimos os jornais e vemos que, afinal, e ao contrário de
tudo aquilo que foi postulado nos cursos que frequentámos e que nos permitiram
treinar nos confins dos Distritais (a melhor escola de Treinadores em Portugal
encontra-se nos Distritais), pode-se orientar uma equipa da Liga NOS e ser apresentado
publicamente como Treinador Principal, mesmo que não se tenham as habilitações
necessárias.
E no dia seguinte ouvimos a rádio e descobrimos que, pasme-se, um
Treinador foi despedido sem o ser, sendo igualmente substituído sem o ser,
sendo que, coincidentemente (há cá com cada coisa), o clube que despediu sem
despedir contratou um novo Coordenador para a Formação, o qual nunca irá ser
escolhido para o lugar do Treinador que já saiu, mas ainda se encontra contratualmente
ligado ao clube.
Tudo claro e cristalino, portanto...
Perante isto, o que deve pensar um jovem aspirante a Treinador
Profissional? Deve colocar em causa tudo aquilo que lhe foi dito e ensinado ao
longo do seu curto percurso? Deve lutar contra aquele que parece ser o seu
destino num mundo cada vez mais condicionado por coisas que não controla e por
meios que não frequenta? Ou deve conformar-se e aceitar que dificilmente poderá
entrar, sobreviver e viver na selva a que muitos chamam Futebol Profissional?
Gostaria de ter as respostas adequadas a estas questões. Mas devo ser
sincero e admitir que estamos perante um dos problemas mais complexos do
Futebol Português. Gostaria de saber o que dizer ao certo, gostaria de ter
conselhos para dar e dicas que pudessem ajudar todos aqueles que, como eu, têm
levado a cabo o seu percurso sem “cunhas” e sem compadrios.
Sei apenas o que me vai na alma e é apenas isso que tenho para os nossos
leitores...
Acima de tudo sinto-me intrigado. Intrigado por querer saber como podem
algumas pessoas dormir de consciência tranquila, sabendo não serem possuidoras
daquilo que a lei pede a todos (ou a alguns). Intrigado por querer saber como
alguns Treinadores desrespeitam um colega de profissão sem sequer esperarem
pela consumação de um acto rescisório. Intrigado por querer saber como podem
esses mesmos Treinadores dormir descansados quando não conseguem sequer ter a
capacidade de se colocar no lugar do outro e pensar: “Porra, e se ele me
fizesse isso a mim?”
Além de intrigado sinto-me curioso. Curioso para ver para que patamares
vão as coisas evoluir nos próximos tempos. A lei passará a ter alguma
aplicabilidade? Ou iremos avançar para um acérrimo “olho por olho, dente por
dente” entre Treinadores? O respeito poderá ser uma realidade ou vender-se-á a
alma, a mãe e o pai para se poder ter meia dúzia de minutos em flashes
interviews repletas frases bacocas e chavões seculares?
E para lá de intrigado e curioso...sinto-me esperançoso e preparado.
Esperançoso num futuro melhor para a classe dos Treinadores, tendo em conta
amigos e colegas meus que sabem o que querem, como o querem e porque o querem,
na certeza de que não vale tudo no caminho da afirmação. Preparado para “guerra”
que se avizinha, junto daqueles que comungam e partilham dos mesmos valores que
aprendi e que assimilei. Valores que me levam a crer que se o Homem trouxe a
Lei da Selva para o Futebol, então o Homem poderá tirar o Futebol dessa mesma
selva.
Laurindo Filho
2 Comentários
O treinador profissional tornou-se talvez a profissão mais precária e arriscada da atualidade. A linha entre a besta e o bestial é demasiado ténue e vulgarizou-se o despedimento do treinador mesmo que esteja a atingir os objetivos. Penso que isso tb é fruto da entrada de "investidores" no futebol que o vêm como um negócio e têm mais olhos que barriga.
ResponderEliminarDe facto, não está fácil a vida de Treinador Profissional. Existem inúmeros factores que contribuem para esse cenário de precariedade que apontou, e bem, sendo certo que quanto maior for a concorrência e os interesses económicos, pior poderão vir a ser as condições de trabalho no futuro.
ResponderEliminarHá que trabalhar muito para inverter esta situação.
Obrigado pelo comentário. Continue a acompanhar-nos. Cumprimentos