Motivação intrínseca. Aquela chama interior que todos necessitamos para
podermos ser mais e melhor nas nossas vidas. A nível pessoal ou profissional,
normalmente é a motivação intrínseca que ajuda a distinguir os bons dos
melhores, os grandes dos maiores, os mortais dos “imortais”. Incluindo o
Futebol. Pelo menos é esse o meu entendimento.
Mas será possível potenciar a motivação intrínseca de um jogador...quando
ela não existe? Será possível potenciar algo de índole pessoal e interior
através de mecanismos igualmente pessoais, mas exteriores? Ou seja, será
possível potenciar a motivação intrínseca de um jogador através da motivação
extrínseca do seu Treinador?
Ultimamente começo a acreditar que sim. A julgar pelo que tenho lido e
pesquisado, tendo em conta o trabalho que vamos procurando desenvolver junto
dos nossos jogadores e percebendo cada vez mais o quão importante são, de
facto, as competências sociais e relacionais para quem quer exercer uma
Liderança Transformacional, começo a acreditar que sim.
Claro que não é fácil. Claro que as transformações que pretendemos operar
na mente dos nossos jogadores não acontecem de hoje para amanhã. Se assim fosse nenhum Treinador poderia
queixar-se da falta de mentalidade competitiva que cada vez mais se faz sentir
nos Escalões de Formação e nas Equipas Seniores Amadoras de Norte a Sul do
País.
Mas é possível começarmos a operar pequenos “milagres psicológicos” junto
e com os nossos jogadores. Basta que saibamos o que “atacar”, como “atacar” e
onde “atacar”. Pode parecer complexo, mas não é mais complexo do que pensar,
criar e operacionalizar as unidades de treino que queremos para a implementação
do nosso Modelo de Jogo.
Para que possamos perceber a finalidade deste artigo, imaginemos um
cenário em concreto...
O Zeca (nome fictício) é um médio centro moderno: sabe defender e atacar,
entende e percebe quais as tarefas a realizar em todas as fases e momentos do
jogo, possui uma excelente visão de jogo, é um ás naquilo que consideramos como
o “último passe” e tem revelado uma boa capacidade de finalização nos últimos
meses. Após o final de mais uma época e o início de mais uma pré-temporada, o
Zeca já não parece o mesmo: erra passes fáceis, não consegue dominar a bola,
assume posicionamentos deficitários em campo e não consegue efectuar um “último
passe” nem enquadrar um remate com a baliza. É assim ao longo de toda a
pré-época...
Naturalmente, tal como acontece a todo o ser humano, o Zeca começa a perder
a sua motivação intrínseca, começa a ficar desmotivado. Uma desmotivação que
surge da percepção que ele tem do seu momento actual. Uma percepção que advém
daquelas que são as suas memórias mais recentes, sendo que essas mesmas
memórias serão responsáveis por tudo aquilo que o Zeca imagina e visualiza acerca de si mesmo...levando-o novamente à percepção do seu momento actual.
Se estiverem atentos, caros leitores do Futebol Apoiado, o Zeca criou à
sua volta um ciclo vicioso que condiciona as suas acções técnico-tácticas
dentro de campo. E o mais “curioso” é que esse condicionamento “nasce” fora do
campo, mas dentro da sua própria cabeça. Se quisermos ser mais precisos, na sua
própria mente. E é a mente que controla tudo aquilo que o Zeca faz enquanto
jogador de Futebol.
Percebemos então que a desmotivação do Zeca conduziu-o à insegurança, à
dúvida, ao medo de arriscar um “último passe”, ao receio de não ser capaz de
rematar para o fundo das redes. O Zeca já nem parece o mesmo e o banco de
suplentes ou a bancada parecem ser o melhor local para ele, neste momento.
Será? Não haverá mesmo nada a fazer?
Correndo o risco de ver este artigo ser considerado como especulativo,
digo-vos já que acredito mesmo haver formas de ajudar o Zeca e todos os Zecas
que encontramos ao longo do nosso percurso futebolístico. E olhando para o caso
que aqui vos trago, penso que existem inúmeras maneiras de ajudar o Zeca a
reencontrar a sua motivação intrínseca através do apoio do Treinador (motivação
extrínseca).
Sem querer desvendar tudo, até porque este artigo pretende fazer pensar o
leitor do Futebol Apoiado, vou enunciar três factores que julgo serem
extremamente importantes para que todos nós, Treinadores, possamos ajudar os
nossos jogadores a estarem sempre motivados do ponto de vista intrínseco:
- Conhecer e traçar o perfil psicológico de cada atleta. É trabalhoso,
sem dúvida, mas é fundamental para que possamos compreender a individualidade
de cada um deles e saber o que “atacar”, como “atacar”, quando “atacar” e onde “atacar”
- Ter sempre em atenção o trinómio “Percepção – Memória – Imaginação”. O
que percepcionamos acerca de nós mesmos vai influenciar o acesso à nossa
memória, a qual irá despoletar a nossa imaginação. Ou seja, quanto pior for a
percepção que um jogador tem acerca do seu talento, piores serão as suas
memórias em relação ao seu talento (o cérebro irá recordar-se apenas dos erros
e das coisas menos positivas) e piores serão as imagens projectadas pela sua
própria imaginação (o jogador passará a imaginar-se a errar muito antes das
coisas terem lugar)
- Ajudar o jogador a entender e assimilar a importância da Visualização
Positiva. Sabendo que o cérebro reconhece e recorda muito mais facilmente situações
menos boas (há estudos que o comprovam), temos de trabalhá-lo de modo a começar
a projectar pensamentos positivos, muito antes de eles acontecerem /terem lugar
A mente é a arma mais poderosa que o ser humano tem ao seu dispor. E nós
não sabemos praticamente nada acerca dela. Por isso mesmo torna-se fundamental
que a consigamos explorar dentro do pouco que vamos conseguir saber acerca do
seu funcionamento, dos seus prós e dos seus contras. Quer seja o leitor um Treinador
Profissional, quer seja o leitor um Treinador Amador, é seu dever impedir que o Zeca deixe apagar a chama da sua motivação intrínseca. É seu dever ajudá-lo
através de uma motivação extrínseca que flui naturalmente dentro de si enquanto
o Treinador que quer apenas o melhor para os seus jogadores.
Laurindo Filho
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