Confesso que
este artigo surge na sequência da não utilização de Bernardo Silva no jogo de
estreia de Portugal na Taça das Confederações. Confesso que fiquei perplexo ao
perceber que o jogador português que mais e melhor jogou ao longo de toda a
época 2016/2017 (opinião pessoal assumida) não foi opção perante um México que
quis sempre ter aquilo que Portugal, pela sua história e pelas características
dos seus jogadores, deveria ter sempre e do qual nunca deveria abdicar: a Bola.
É a minha
visão, claro está. Mas não vou falar de Ideias, Princípios e Modelos de Jogo.
Nem sequer me vou deter na vã esperança de conseguir encontrar uma razão válida
que me permita aceitar que Nani ou Moutinho tenham ido a jogo e Bernardo Silva
não. Sou Treinador. Não tenho o currículo de Fernando Santos, não trabalho com
os jogadores que estão ao serviço da Selecção, mas há coisas que são por demais
evidentes. E uma delas é que Bernardo Silva é, actualmente, o maior talento
futebolístico nacional!
Mas quantos mais
Bernardo’s Silva’s existem por aí, espalhados um pouco por todo o nosso país, a
passar por esta mesma situação? Por esta mesma falta de capacidade de
proporcionar o devido enquadramento ao talento inato, ao talento divino, ao
talento que se sobrepõe às questiúnculas técnico-tácticas e que, pasme-se,
consegue ser útil à equipa ao mesmo tempo?
De uma forma
muito sucinta (espero eu), eis que me proponho a apresentar quatro perspectivas
que nos podem ajudar a compreender os porquês que justificam (mas não deveriam)
o facto de muitos de nós andarmos a desperdiçar talento…
A Perspectiva do Treinador
A meu ver, um
Treinador pode desperdiçar talento essencialmente através de dois grandes erros
de avaliação, seja em que Escalão de Formação for, podendo inclusivamente
acontecer ao nível Sénior:
- Quando se
depara com um talento inato muito acima da média, um Treinador pode querer ter
aquela tendência castradora de o querer enquadrar, a todo o custo, no seu
Modelo de Jogo. O que por vezes significa “obrigar” esse mesmo talento a fazer “piscinas”,
campo acima e campo abaixo, acção que lhe vai retirar protagonismo no momento
em que o talento é verdadeiramente necessário (no Momento Ofensivo, seja em
Transição, seja em Ataque Organizado).
Se não houver
um sistema de compensações devidamente trabalhado, que permita a este jogador
ajudar nas tarefas defensivas, mas ter espaço para dar asas a toda a sua
qualidade, este talento vai sentir-se retraído, “preso” e pode, a médio/longo
prazo, perder a alegria de jogar Futebol.
- Mas há
também o extremo oposto. O Treinador, sabedor de toda a qualidade daquele
talento, pura e simplesmente abdica de o incluir nos Momentos Defensivos do
jogo, situação que, a longo prazo, vai transformá-lo num incompreendido, num
jogador à parte que se preocupa apenas em atacar. E todos sabemos o que isso
pode originar: o jogador torna-se excessivamente individualista, os colegas
tornam-se excessivamente críticos e, com o avançar da sua Formação (até chegar
aos Seniores, com sorte), caso o talento não seja devidamente trabalhado,
teremos um jogador que sabe fazer umas fintas, mas que é inconsequente e que
não sabe o que é estar numa equipa de Futebol.
Poderia aqui
incluir ainda as questões relacionadas com Treinadores que orientam as suas
decisões em relação aos verdadeiros talentos de que dispõem consoante
pressões/influências externas, nomeadamente, Pais e/ou Directores…mas quem faz
isso não é nem pode ser considerado Treinador, portanto…
A Perspectiva dos Pais
Os Pais, no
Futebol como na Vida, são os elementos mais úteis e fundamentais no crescimento
das crianças, mas podem igualmente ser um enorme empecilho, caso não saibam ser
nem estar enquanto Pais.
Basta que os
Pais queiram que o seu filho se destaque mais do que os restantes colegas de
equipa para que todo o processo de evolução do talento natural da criança
comece a ser deturpado. Basta que os Pais queiram que o seu filho não seja Guarda-Redes, que seja o Avançado ou que não jogue na defesa para que as coisas não corram de feição. Começam aqui inúmeros problemas para todos: para o
Treinador (que quer ajudar toda uma equipa a evoluir e não apenas o seu jogador mais talentoso), para o Clube (que pode vir a ser pressionado pelos Pais que pagam mensalidades e que, em alguns casos, são patrocinadores do próprio Clube) e, mais importante ainda, para a própria Criança (que, do nada, pode ver-se envolvida num problema que não foi causado por ela).
Sendo
natural querer que os filhos sejam os melhores em tudo aquilo que fazem, também
deveria ser natural os Pais preocuparem-se em ensinar valores colectivos e de
pertença às crianças, pois até mesmo o maior dos talentos futebolísticos faz
parte de uma equipa. Pequenas observações
como “o Messi e o Cristiano Ronaldo são os melhores, mas também fazem parte de
uma equipa e não jogam sozinhos”, pequenos conselhos sobre como devem as
crianças gerir os seus sentimentos quando jogam menos tempo do que o que
queriam, por exemplo, deveriam fazer parte da Educação de todos os Pais cujos
filhos/filhas são futebolistas.
Além disso, os
Pais deveriam ter em mente que se os seus filhos forem realmente bons, o talento
natural de cada um deles vai acabar por levá-los para os mais altos patamares
do Futebol Nacional…
A Perspectiva dos Atletas
Um jovem
atleta nunca é a origem do problema, sejamos sinceros. Quaisquer birras, quaisquer
manhas e quaisquer atitudes menos próprias terão sempre origem na Educação
recebida em casa. Ou na falta dela.
Não obstante
isso, a verdade é que o pequeno futebolista/a pequena futebolista pode vir a
ser um entrave ao seu próprio crescimento, caso não consiga perceber que, em
campo, seja em treino, seja em jogo, quem manda é o Treinador e que ninguém
mais do que o Treinador quer o seu bem.
Obviamente que
não é nem se afigura que venha a ser fácil. Por tudo o que já mencionei
anteriormente e porque a Sociedade está cada vez mais egocêntrica e
individualista. Mas os jovens atletas têm de começar a perceber que ninguém
ganha nada sozinho e que só em conjunto se podem alcançar grandes resultados.
Como podem eles começar a perceber isso? Cada Treinador a sua sentença, ou
seja, cabe a cada Treinador procurar mecanismos que possam trazer as crianças
ao seu encontro.
A Perspectiva dos Clubes
Uma nota muito
breve acerca deste ponto: os Clubes deveriam ser os maiores interessados no desenvolvimento
dos grandes talentos presentes nos seus quadros. Alguns são…mas ainda há muitos
que não o são. Ainda há muitos clubes que se deixam levar pelas relações de
interesse entre Pais e Directores, resultando daí alguma interferência no
trabalho dos Treinadores, a qual, em muitos casos, desemboca num conflitos de
vontades e interesses que, acima de tudo, prejudica apenas a criança...
Em suma, como em tudo na Vida, pede-se bom senso e ponderação a todos os agentes desportivos ligados ao Futebol, seja ao nível da Formação, seja ao nível dos Seniores. Infelizmente bom senso e ponderação não se podem comprar nas mercearias e supermercados, mas podem ser praticados e exercitados. Dia-a-dia. A começar nas nossas próprias casas.
Enquanto isso, espero que Bernardo Silva seja titular no próximo jogo. Por uma questão de bom senso, nada mais...
Laurindo Filho
2 Comentários
Muito bom artigo.
ResponderEliminarObrigado pelo comentário. Continue a acompanhar-nos. Cumprimentos
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