O Futsal é uma modalidade recente
na memória das pessoas, muitas vezes chamada de Futebol de Salão, mas que na
verdade já não o é. É muitas vezes comparada ao Futebol, mas também nunca o
será. O Futsal passou por uma mutação combinada entre o Futebol de Salão e o
Futebolinca, olhando sempre para um desenvolvimento com bases de espectáculo e
golos, os ingredientes secretos para a emoção e para acumular atenção.
Em Países com pouca acção ou vida
social, o Futsal tem tudo para ser um sucesso entre amantes do desporto, no
entanto, não é apenas essa a explicação para o sucesso do Irão no último
Mundial de Futsal. Basta olhar com atenção para percebermos que o Irão cometeu
a proeza pouco conhecida de estar presente em todos os Mundiais de todas as
modalidades, não se limitando ao género masculino, conseguindo essa mesma proeza também no feminino.
Sempre que os defronto ou
participo em competições que contam com a sua participação, gosto de os observar
(apenas os atletas), de ver a sua forma de estar, e compará-los aos restantes participantes.
No fim penso “que loucura”, mas o que penso pouco vos dirá, mas se vissem o que
vejo certamente que iriam entender. Posso tentar explicar e até poderá não
fazer grande sentido, mas o olhar clama por vitórias, “nós” somos o inimigo e
embora não exista um afastamento evidente, não há um gesto de proximidade ou de
pensamento de que isso possa ser possível no olhar deles. Estamos em guerra e
para eu viver eles têm que morrer, é isto, sem tirar nem pôr, de forma
respeitosa e competitiva que lhes vai na alma, são os únicos atletas que vejo
viverem esta ideia enquanto almoçam no meio de todas as outras equipas.
O Irão é um País que, embora
fechado ao conhecimento comum, é razoavelmente moderno, culturalmente rico e
com uma população extremamente inteligente e formada academicamente. No entanto,
no dia-a-dia as actividades que a vida social acrescenta são poucas e quase
inteiramente com base desportiva, ou seja, além da actividade profissional e da
vida familiar, resta o Desporto, restam pavilhões cheios, estádios de Futebol
de praia cheios, estádios de Futebol cheios e todos os locais onde rola uma
bola com filas ou multidões para que se possa acompanhar o destino final dessa
bola.
No Irão o atleta, seja de que
modalidade for, é reconhecido na rua, é profissional e o seu dia-a-dia baseia-se
nesse profissionalismo. Nunca vi, confesso, mas em vários encontros que tive
com o responsável máximo de Futsal na Ásia, e que é de nacionalidade Iraniana, fico
embasbacado com o que me conta, seja porque em jogos importantes são colocados
ecrãs gigantes no exterior dos pavilhões para que a multidão possa acompanhar o
jogo em directo, lado a lado com a equipa que apoiam, ou porque há treinos bi-diários
em quase todas as equipas com acompanhamento profissional de diferentes áreas
ligadas ao Desporto como, por exemplo, a nutrição.
Mas não é só no Futsal, é em
tudo. No Futebol de Praia existe um campeonato profissional com três divisões e
quase 90 equipas com estádios exclusivos para a modalidade e cheios, sempre
cheios, não obstante a transmissão televisiva ao vivo e a cores, a multidão lá
está.
Ora, qualquer Governo olha para
este fenómeno e entende que, enquanto assim for, o povo não olha para outros detalhes
do seu dia-a-dia. E há que cultivar isso mesmo, com o incremento da qualidade e
da competitividade de modo a colocar-se o nome do Irão no topo do Desporto, ou
seja, do ponto de vista político, e ultrapassando aquilo que em Países
Ocidentais é tido como prioritário no investimento público no Desporto (aumento
da qualidade de vida, saúde, socialização, etc.), o Governo Iraniano precisa
mesmo destas prestações no Futsal, no Futebol de Praia, no Voleibol, etc, pois
como diria alguém, “os problemas existem, depende do foco”. E comandar o foco é
importante do ponto de vista político.
Todo este sucesso desportivo do
Irão não vem de dois ou três anos, vem de muitos anos de preparação, da
contratação dos melhores profissionais estrangeiros para que se possa elaborar
um projecto de desenvolvimento das modalidades, vem de ordenados mensais
mínimos de 1000 dolares em segundas ou terceiras divisões de Futsal, de um
plano educativo que prepara os seus atletas para o profissionalismo, para o
cuidado diário, para a responsabilização social, para a defesa do sistema que
os alimenta, para o patriotismo heróico que permite imagens como a recepção do
seu Guarda-Redes principal de Futebol de Praia na sua cidade de origem, num
carro descapotável, colar de flores e milhares de pessoas na rua só para lhe
conseguirem colocar o olho em cima. Isto é um fenómeno pouco visto em
modalidades extra-Futebol (e mesmo assim é preciso procurar muito bem), é a
“loucura” que eu vejo quando estou na presença deles.
Olhemos em volta, olhemos para os
países que participaram no último Mundial de Futsal, para o número
populacional, para o número de clubes, para o grau de profissionalismo…onde
está a surpresa no terceiro lugar do Irão? Fosse o Irão um País em que a
Comunicação Social tivesse o Inglês como língua dominante e uma relação aberta
com o mundo Ocidental e teríamos todos nós a saber os nomes de todos os jogadores
das Selecções Iranianas, pois têm tudo para ser referências.
Mas calma, nem tudo é bom. O
patriotismo e as barreiras internacionais impostas fazem com que o Irão tenha
deixado de ter treinadores estrangeiros nas suas Selecções Nacionais de Futsal
e Futebol de Praia. E se para o “agora” isto não representa um problema, no
futuro a receita deixará de funcionar e assim existe o risco de o domínio a que
este País tem que estar obrigado a ter se perca.
P.S.: Atentem ao Irão no Mundial
de Futebol de Praia que começará no próximo mês, não será surpresa, é apenas o
seu valor real e não deixem que o desconhecimento se transforme em surpresa.
João Almeida
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