Comunicação. Uma ferramenta importante e
cada vez mais essencial no mundo do Futebol. Uma aliada fortíssima, se a soubermos
utilizar, ou uma zona de areias movediças, se não a soubermos manejar. De todas
as vertentes comunicacionais existentes no complexo panorama futebolístico, há
uma que me desperta particular atenção: a Comunicação exercida pelo Treinador,
seja ela Interna ou Externa.
No passado fim-de-semana todos fomos
testemunhas daqueles que foram os resultados dos “3 Grandes” do Futebol
Português. O SL Benfica venceu em Vila do Conde a equipa que melhor Futebol
pratica em Portugal (opinião pessoal), o Sporting CP perdeu em casa frente ao
Belenenses e o FC Porto foi ao Funchal empatar com o Marítimo. Ou seja, cada um
dos “3 Grandes” de Portugal experienciou um dos três resultados possíveis e
passíveis de acontecerem no Futebol (vitória, empate e derrota). Até aqui, nada
de especial…
Mas, e sem olhar para as habituais
análises técnico-tácticas que normalmente proliferam após os jogos, será que os
resultados obtidos por Benfica, Sporting e Porto poderão ter sido influenciados
pelo discurso pré-jogo? Será que a Comunicação exercida por Rui Vitória, Jorge
Jesus e Nuno Espírito Santo poderá ter potenciado ou diminuído o rendimento dos
seus jogadores? E depois dos jogos: que mensagens foram veiculadas por cada um
dos Treinadores através da sua Comunicação? E até que ponto o discurso pós-jogo
irá influenciar o que ainda falta jogar em 2016/2017?
Comecemos por Nuno Espírito Santo (NES).
Depois de uma série vitoriosa que lhe permitiu aproximar-se do líder do
campeonato, e não obstantes as críticas que sempre apontaram à pouca
qualidade do Processo Ofensivo da sua equipa, a verdade é que Nuno Espírito
Santo conseguiu que o FC Porto permanecesse na luta pelo título. Contudo, nos
momentos decisivos, nunca soube aproveitar os deslizes do líder e isso
trouxe-lhe novos problemas, especialmente ao nível da Comunicação.
Se a Comunicação Externa de NES alterou
o seu foco, com uma mudança clara em termos de discurso, a Comunicação Interna
pareceu manter a sua génese inicial. No entanto, e em vésperas de uma difícil
deslocação ao Funchal, para defrontar um Marítimo com ambições europeias, NES
adoptou um discurso cuja principal mensagem visava o rival…
“Só pensamos no FC Porto e nos nossos três
pontos. Sabemos que ganhando provocamos alterações na classificação. Se
ganharmos, o Benfica joga com o Rio Ave sabendo que é segundo”
Só nesta pequena declaração, denoto uma incoerência e um erro. A incoerência advém do facto de NES dizer que só pensam no FC Porto, mas acaba por se referir ao seu mais directo rival na luta pelo título. Não faz sentido, pois não? Pois...Quanto ao erro, eu sei que os jogadores são inteligentes e que percebem quando um Treinador altera o seu comportamento ou seu discurso perante alguma situação, mas no lugar de NES eu nunca teria mencionado o facto de, ganhando o meu jogo, o líder deixar de o ser. O foco deve ser sempre a minha equipa. Neste caso, o foco deveria ser sempre a sua equipa, o FC Porto.
E num jogo em que se pretendia uma equipa mais cerebral, mais capaz de controlar as suas ânsias e emoções, como deve um Treinador comunicar publicamente essa sua intenção à sua equipa? Eu sei como o faria: adoptaria um discurso em que as palavras-chave seriam "inteligência", "paciência", "controlo emocional" e "concentração", de modo a que os meus jogadores pudessem perceber que a vitória teria de seguir por um caminho mais racional.
NES, por seu turno, foi por outro caminho...
“Temos de lutar para que cada bola seja ganha por nós e estaremos mais
perto da vitória se o fizermos. Preparámos bem a semana e os jogadores estão
motivados”
E depois de empatar? O que disse NES que pudesse ajudar a sua equipa a estar mais próxima de vencer os jogos que faltam? A principal mensagem foi esta:
“Lutámos e vamos continuar a lutar. As oportunidades só
acabam quando acaba o campeonato. Só olhamos para nós. Não podemos desistir
agora.”
Lamento dizer, estimado NES, mas nunca ao longo desta época olhaste apenas para dentro. Estiveste sempre mais preocupado em falar de quem ia à frente do que em falar dos teus. E isso viu-se e ouviu-se antes do jogo contra o Marítimo...
Seguimos com Jorge Jesus (JJ). Em vésperas de jogo com o Belenenses, o Treinador leonino disse...
“Tenho a certeza que os jogadores do Belenenses vão render
muito mais do que renderam no último jogo em casa com o Paços de Ferreira porque
a exigência era outra”
...numa clara alusão ao facto de a sua equipa ser melhor do que a equipa do Paços de Ferreira. A classificação consubstancia esta afirmação, mas o facto de JJ mencionar a fraca exibição do Belenenses no jogo anterior, ainda para mais disputado em pleno Estádio do Restelo, poderá ter servido de factor motivacional para os atletas de Belém. E se há coisa que um Treinador não deve fazer é providenciar balões de oxigénio motivacionais para os jogadores adversários. A meu ver, claro está...
Mas JJ estava seguro de que a sua equipa equipa iria realizar um bom jogo, ainda que na época passada tivesse sentido dificuldades para levar de vencida os azuis do Restelo:
“Quando se
joga contra os grandes, não se sente a classificação dessas equipas. Contra um
grande, tudo é diferente do que é jogar com equipas com o mesmo valor. Vão
jogar tranquilos, confiantes e super-motivados. Na época passada vencemos mesmo
a acabar o jogo [1-0, com golo de William de Carvalho de grande penalidade aos
90+4 minutos]. São duas equipas de Lisboa. Está tudo reunido para o Sporting
fazer um bom jogo. Vai ser um bom espectáculo”
A verdade é que o Sporting CP perdeu por 1-3. E o bom espectáculo previsto por Jorge Jesus esteve longe de ser uma realidade. Explicações para a derrota? A mensagem mais contundente transmitida por JJ foi esta...
“A
explicação é que as alterações que fizemos não melhoraram a equipa. Fui buscar
soluções que não eram primeiras nem segundas opções durante o campeonato e isso
também se reflectiu depois nas [rotinas das] bolas paradas.”
Portanto, o Sporting perdeu porque jogaram as terceiras opções...Belo exemplo de Comunicação, não acham? Assumir que as escolhas são dele, JJ, o Treinador? Não, nada disso. Não vale a pena. Os jogadores é que têm culpa. Os jogadores treinam sozinhos, fazem as convocatórias sozinhos, decidem o 11 inicial sozinhos, fazem as substituições sozinhos...
Então e o bom jogo, o bom espectáculo? Estando ainda a lutar pelo 2º lugar e defrontando uma equipa que ainda na jornada anterior tinha estado mal, perante o seu público, perdendo em casa...não seria expectável que vencessem um jogo teoricamente acessível? Jorge Jesus também falou sobre isso...
“Claro
que ficávamos mais perto. Não digo que é impossível, mas não tínhamos de estar
a pensar nisso. Hoje, num jogo que teoricamente parecia mais fácil, a equipa
complicou a partir da grande penalidade. As mudanças que fiz não tiveram
efeito, pelo contrário”
Afinal, JJ fez as mudanças. Curioso. Pelo discurso inicial, não parecia. Mas a verdade é que o discurso pós-jogo em nada ajudou os seus jogadores. Principalmente aqueles que não são os habituais titulares. Bela forma de gerir um grupo, não?
Por último, Rui Vitória (RV). Admito que não sou apologista de algumas das suas Ideias de Jogo, mas em termos daquilo que é a Comunicação, e no que diz respeito aos "3 Grandes" de Portugal, Rui Vitória está acima dos seus colegas.
Sabedor das dificuldades que iria encontrar perante o Rio Ave, RV apostou num discurso em que manifestou respeito pelo adversário, mas cuja ideia forte assentou na sua equipa, sem se esquecer da importância do factor "Concentração":
“Vai ser um jogo difícil, contra uma equipa com ambição
na classificação. O Luís [Castro] tem feito um bom trabalho. No entanto, vai
encontrar uma equipa que está no primeiro lugar há várias jornadas e que também
tem ambição. Acho que vai ser um jogo bem disputado, no qual os pormenores vão
decidir”
E quando questionado sobre o que poderia ser o jogo do seu mais directo perseguidor, a resposta não poderia ter sido mais eloquente...
“Não funcionamos a ver jogos dos outros,
a pensar nos outros. A nossa forma de pensar é esta. Só consigo controlar 11
jogadores: os do Rio Ave e a minha equipa, que trabalhei. Não posso controlar o
Marítimo nem o FC Porto. Não entro nesse tipo de jogos. Os meus jogadores
estão preparados para o jogo de amanhã (Domingo)”
A vitória acabou por sorrir ao SL Benfica e a euforia natural de quem deu um passo gigante rumo ao título já pairava no ar. Mas Rui Vitória fez questão de refrear um pouco os ânimos com estas duas declarações:
“É uma vitória importante, muito saborosa
para os jogadores e para os adeptos, conseguimos o que queríamos, que era ficar
mais próximo nesta recta final”
“Temos duas finais, queremos ganhar. Não podemos comemorar
antes de as coisas acontecerem. Queremos ganhar e ser campeões, jogar em casa
agrada-nos mas o importante é somar pontos e tentar ficar na história.”
Ou seja, o objectivo está mais próximo, mas ainda não está alcançado. Nada mais certo...
É verdade que a Comunicação dos Treinadores está (e estará) sempre sujeita às emoções à flor-da-pele resultantes daquilo que foram os 90 minutos disputados. É verdade que não é fácil comunicar quando se perde ou quando se vê um objectivo de época ainda mais longe. E também é verdade que nem sempre um Treinador sabe comunicar quando ganha uma partida que o coloca mais perto da História de um clube (há sempre aqueles que são arrogantes e "crescem" nas vitórias, para depois tornarem-se pequenos nas derrotas).
Mas os Treinadores devem perceber a importância da Comunicação no mundo do Futebol, pois pela Comunicação passa muito daquilo que será a sua gestão, a sua abordagem e o seu sucesso. Se souberem ter a Comunicação como aliada, claro está...
Laurindo Filho
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