Legado.
Pedaços de um ou mais capítulos escritos dentro de uma história maior do que
aquele que a escreve. Factos, números, conquistas ou troféus que testemunham a
qualidade e a competência de quem os alcançou. Mas será o
Legado apenas isso? Um conjunto de dados estatísticos que quantificam a
qualidade e a competência de Jogadores, Directores e Treinadores? Só deixa um
Legado aquele que conquista títulos ou troféus? Não haverá qualquer outro tipo
de Legado, mesmo para aqueles que vencem menos vezes ou raramente vencem? Vejamos então…
Já todos
ouvimos dizer que o Treinador X deixou um Legado no clube Y ou que o Treinador
Z está a construir um Legado no clube B. E normalmente esse género de discurso
está associado a…? Se o leitor respondeu “vitórias”, acertou. Só quem ganha
muitas vezes está associado à palavra Legado…como se os que vencem menos vezes
fossem indignos ou não fossem merecedores de uma oportunidade de (também eles)
deixar um Legado. Mas será mesmo
assim?
Então e os
Treinadores que durante uma e outra época saem de casa 2 horas mais cedo para
poder ir buscar jogadores a casa e chegam a casa duas horas depois de o treino
terminar por serem os responsáveis por levar os jogadores novamente a casa? Não
deixam Legado?
Então e os
Treinadores que, por vezes, fazem 80 km (ida e volta) para ir levar um jogador
a casa porque o clube não lhe arranja transporte de e para casa? Ou que se
predispõem a ir levar um jogador a casa depois de ter perdido um comboio às
22h30, mesmo que isso signifique fazer 70 km e jantar apenas depois da
meia-noite? Não deixam Legado?
E que dizer
dos Treinadores que ouvem de tudo um pouco e aturam de tudo um pouco por parte
de Directores que pensam saber alguma coisa de Futebol, quando não sabem nem quanto
são “dois mais dois”, porque os seus jogadores precisam deles (Treinadores) e
porque a equipa/o grupo precisa de estabilidade, de segurança e de conforto
emocional? Não deixam Legado?
Que dizer dos
Treinadores que se atravessam perante os seus jogadores, comprando todas as
guerras possíveis e imagináveis com terceiros, de modo a que os seus atletas
possam estar à margem daquilo que não interessa? Que dizer dos Treinadores que
dão “o peito às balas” em toda e qualquer circunstância perante os seus
jogadores, mesmo que isso signifique mais guerras e mais conflitos com
terceiros? Não deixam Legado?
E os
Treinadores que recebem chamadas telefónicas a meio da noite porque um jogador seu
quer desabafar por causa da namorada, da mulher, da mãe, do irmão, do patrão,
etc? Ou os Treinadores que se preocupam com a vida pessoal e íntima dos seus
jogadores, aconselhando-os sempre que possível e procurando orientá-los nos
melhores caminhos possíveis? Não deixam Legado? Diga-me o
leitor…
Circunscrever
o “Olimpo do Legado” apenas aos que vencem, como se as vitórias fossem o único
caminho para a imortalidade de um Treinador, não só é redutor para com aqueles
que conquistam muito mais no seu dia-a-dia do que singelos três pontos, como é
também injusto e desumano para com aqueles que merecem muito mais do que as
capas de jornais ou as entrevistas televisivas.
O Legado de um
Treinador está ao alcance de todos os que amam o que fazem, está ao alcance de
todos os que fazem de tudo um pouco pelos seus. O Legado de um Treinador está
nos pequenos gestos, nas pequenas singularidades, nos pequenos sacrifícios e
nos pequenos discursos que se vão tendo ao longo de uma época.
O Legado de um
Treinador está em todos vós. Está em todos nós. Quer vençam menos, quer vençam
mais. Nunca duvidem disso. Mas se algum dia duvidarem, lembrem-se das palavras
proferidas por um Treinador, momentos antes das grandes penalidades que viriam
a decidir a Final em que se encontrava…
“Sabem qual é
a maior diferença entre eles e nós? Sabem o que nos distingue e diferencia
daquela equipa? É que, independentemente do resultado final de hoje, daqui a
dez ou quinze anos, quando vocês se encontrarem na rua, vão fazer uma enorme
festa, vão se sentar para beber um café, um copo, se calhar até jantar e sair
até às altas horas da madrugada. Independentemente do resultado final de hoje,
eu sei que daqui a dez ou quinze anos, quando vocês se encontrarem, vão parar
para conversar, recordar e reviver tudo o que passaram ao longo desta época. E
eles, mesmo que vençam hoje, eles nunca farão isso. Esse é o nosso maior
troféu! Essa é a nossa maior vitória! E nada nem ninguém nos poderá vencer aí!”
Adivinhem quem venceu essa Final...
Laurindo Filho
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