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É Difícil Trabalhar num Futebol Cada Vez mais Desigual? A Sério?


Ponto prévio: o artigo que se segue poderá ferir as susceptibilidades de todos aqueles que tenham por hábito o arranjo sistemático de desculpas e estratagemas que ajudem a disfarçar e ocultar os seus fracassos...

Vivemos numa era de desresponsabilização. Mais do que a era digital, mais do que a era da informação que viaja à velocidade da luz, mais do que a era do “tudo nosso, nada deles”, esta é a era da desresponsabilização. Ninguém assume as suas responsabilidades por nada, em nada e, quando o fazem, parecem que estão a ser obrigados a admitir algo contra a sua vontade.
Parece exagero? Sejam sinceros: a desresponsabilização é o “pão nosso de cada dia”. Na Política, na Saúde, na Educação, na Cultura, em todos os quadrantes da nossa sociedade vemos e vivemos diariamente exemplos fidedignos disso mesmo. Os incêndios não são culpa de quem governa, as constantes alterações estruturais (ou tentativas de) na Saúde e na Educação não são culpa de quem nos governa, a falta de apoio à Cultura não é culpa de quem nos governa e o caos governativo a que estamos sujeitos desde há uns bons anos não é culpa...de quem os elegeu. Sim, porque nunca ouvi uma pessoa que votou em determinada opção política admitir que votou mal, portanto, ninguém assume as responsabilidades de nada neste país.
E qual a relação entre o parágrafo acima e o Futebol, pergunta o leitor (e bem)? Afinal, isto é um blog sobre Futebol. Tem toda a razão, este é o blog Futebol Apoiado, continua a ser o blog Futebol Apoiado e continuará a ser até ao dia em que se determine o seu fim...
Ora, os leitores mais atentos saberão que defendo e acredito que o Futebol é o reflexo da sociedade. Em todo e qualquer país. E em Portugal isso não é excepção. Ou seja, o Futebol Português é um futebol onde a desresponsabilização grassa de lés a lés e em que nada nem ninguém parece querer assumir as responsabilidades de tudo aquilo que não está bom ou é feito de um modo menos correcto. Embora existam coisas a serem bem feitas e exemplos que poderíamos seguir em termos de gestão de clubes, de Formação de jovens jogadores, de bons Treinadores a efectuarem trabalhos com qualidade em contextos complexos, a verdade é que na maioria dos casos assistimos ao constante “sacudir a água do capote”.


Depois de termos tido um Presidente a “chorar” pelo VAR durante os dois anos em que “esturrou” dinheiro para dar tudo ao seu Treinador sem sequer ter tido a preocupação de pensar que bastava um jogador ter acertado na baliza quando se encontrava debaixo do travessão para ter sido campeão (foco principal do discurso foi a Arbitragem)...Depois de termos tido um Treinador que, com as mesmas peças do seu sucessor, transformou uma equipa grande em equipa pequena devido à sua aversão à fantasia, à criatividade e ao improviso que podem (e devem) constar de um futebol ofensivo (foco principal do discurso foi a Arbitragem)...Depois dos anos do “Deixem jogar o Mantorras!” (para que “a clubite aguda” não venha querer dizer que defendemos estes ou aqueles), em que, naquela altura, ninguém foi capaz de perceber que o problema estava em todo o lado menos no foco de então (foco principal do discurso foi a arbitragem), eis que um experiente Treinador da nossa praça decidiu recorrer ao famoso chavão “não tenho as mesmas condições dos outros para poder fazer mais e melhor” para justificar uma derrota por 0-3, que poderia ter sido por 0-5 ou 0-6!
Olhando para as declarações do referido Treinador e encarando esta suposta problemática de frente, eis que me surgem algumas questões:

- No Mundo em que vivemos as pessoas têm todas as mesmas condições?

- Os que têm menos condições deixam de viver por conta da sua escassez de recursos?

- Não existem casos de pessoas que começaram do “zero” ou do “nada” e que, mesmo sem grandes recursos, lograram desenvolver um bom trabalho, alcançando grandes feitos ou patamares regulares de qualidade?

- Porque razão no Futebol haveríamos todos de ter as mesmas condições se a Vida não nos permite isso?

- Há 30 anos o Futebol Português proporcionava as mesmas condições a todos os clubes e é por isso que o cenário hoje é tão “equilibrado”? É que a CUF não existe, o Alentejo não tem representantes nas ligas profissionais e ainda só tivemos cinco clubes campeões nacionais...

- Quando assumiu o desafio para esta época, o Treinador em questão estava à espera de descobrir um poço de petróleo no meio do relvado onde joga, sendo que aí sim iria poder contratar os jogadores que queria e apresentar bons resultados e um futebol atractivo (coisa rara na sua carreira, pelo que vamos podendo constatar...)?

- Então um Treinador não tem como tarefa, entre outras coisas, potenciar e desenvolver TODOS os seus jogadores? Ou isto só é bom quando temos Neymar, Messi, Modric, Isco, Bernardo Silva e afins?


Se o Mundo poderia ser mais justo? Claro que poderia! Se as pessoas poderiam ter todas as mesmas condições e as mesmas oportunidades? Claro que poderiam! E deveriam! Se o Futebol poderia permitir que todos nós, Treinadores, tivéssemos as mesmas armas? Não! Obviamente que não! Se o Mundo não o faz, o Futebol não o poderá nunca fazer! Já bastam as imensas impunidades existentes no Futebol.Um Treinador tem de encarar os seus desafios como eles são. 
Se são difíceis, pois bem, que seja, arregacemos as mangas e toca a trabalhar muito mais (em qualidade e quantidade) do que os outros. Se são extremamente difíceis, ok, então temos de ser ainda mais criteriosos na aquisição de jogadores. Deixem-se de DVD's dos "Piratas das Caraíbas", deixem-se de telefonemas manhosos para empresários ainda mais manhosos, comecem a olhar mais para dentro e menos para fora. Temos de ser ainda mais meticulosos na escolha de um Modelo de Jogo que nos permita potenciar os nossos jogadores e apresentar um trabalho de qualidade, pois só assim poderemos gerar riqueza para o clube (através da venda de activos) e podemos chamar a atenção para o nosso trabalho. Ou pensam que é possível aspirar a chegar a um "grande" português ou europeu "jogando" apenas em 30 metros defensivos, com recurso constante ao anti-jogo, com um futebol mais desgarrado do que os habituais Solteiros vs Casados que têm lugar em qualquer aldeia portuguesa no Verão? E isto é válido para todos nós, Treinadores, seja qual for o nosso patamar competitivo. 
Não se iludam! Não pensem que por estarem nos campeonatos amadores podem e devem seguir outras que não as vossas ideias. Sigam as vossas ideias! Inventem! Criem! Não se limitem apenas a querer ganhar sem saber como ou a querer a manutenção sem saber como porque um dia o Futebol vai colocar-vos à prova e aí não há autocarro que vos valha! E trabalhem! Temos também de trabalhar ainda mais (em qualidade e quantidade) do que os outros. Não há outro caminho...
Porque ir a uma Conferência de Imprensa lamuriar-se de algo que todos sabemos existir desde há décadas é hipocrisia. Especialmente se tivermos em conta que o autor das declarações está no “circuito” há inúmeros anos, que raramente apresentou uma ideia de jogo que não passasse pelo “dirigível” em frente da baliza e que, inclusivamente sem apresentar resultados de excelência, continua a tapar os caminhos a possíveis Treinadores com valor, com ideias e com coragem para fazer diferente do que quase todos fazem.
É difícil trabalhar num Futebol cada vez mais desigual? A sério? Ele que experimente vir trabalhar para os campeonatos amadores, com plantéis com jogadores que não vão ao treino porque está a chover ou o clube do coração joga na Champions, sendo obrigado a dar treino a 8 ou 9 jogadores (provavelmente ele nem sequer daria treino). Ele que experimente vir trabalhar para os campeonatos amadores com directores que pensam que sabem tudo e que dizem que já nada têm de aprender, mas que depois são surpreendidos quando o cenário muda completamente de figura. Ele que experimente vir trabalhar para os campeonatos amadores trabalhar com jogadores que durante anos foram “abençoados” com o facilitismo do anterior Treinador e que depois estranham quando surge alguém mais rigoroso, disciplinador e profissional...
É difícil trabalhar num Futebol cada vez mais desigual? A sério? Como diriam os americanos, “please, give me a break”...


                                                                         Laurindo Filho



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