(Romário ao serviço do Brasil)
Hoje trago um
assunto que penso ser transversal a todos os escalões do Futebol
Amador, desde a Formação até aos
Seniores. Quantos de vós, Treinadores, não passaram já pela inusitada situação (ou
conhecem alguém que passou) de ter um Director, Coordenador ou Presidente a
dizer: “Mister, ele é o melhor jogador que temos, mas só pode treinar uma vez
por semana e tem de jogar...” ?
Pela
experiência acumulada aos longo dos anos (como Jogador e agora como Treinador) e
pela partilha que tenho tido com outros colegas Treinadores, acredito que esta
é uma realidade cada vez mais presente no dia-a-dia de alguns clubes. Sobretudo
naqueles clubes que se dizem formadores, mas que estão única e exclusivamente
interessados na vertente financeira que determinado jovem futebolista pode
proporcionar-lhes, tendo em conta o poderio financeiro dos pais e avós. Ou, no
caso do Futebol Sénior, naqueles clubes que para além de poderem vir a ganhar
algo extra, do ponto de vista financeiro, com um jogador cujos familiares têm a
capacidade de “injectar” um, dois ou três mil euros mensais (acreditem que isso
ainda existe no Futebol Sénior), receiam ainda perder um “craque” ou o “craque”
da equipa.
Existem muitas
questões que se podem colocar a partir deste cenário, o qual não é, de todo, o
ideal para que um Treinador possa desempenhar as suas funções com tranquilidade
e sem interferências. Como tal, vou tentar dar a conhecer a minha visão sobre este
assunto através de duas argumentações diferentes, mas complementares: a visão
do Treinador para os Dirigentes e a visão do Treinador para os Treinadores.
Do Treinador
para os Dirigentes
Como
Treinador, a primeira questão que gostaria de colocar a quem ousa fazer uma
observação dessa natureza junto daquele que é o líder máximo dentro do balneário
de uma equipa de Futebol é: Como podem afirmar que um jogador é "craque" quando
treina apenas uma vez por semana?
Sinceramente,
faz-me confusão todo e qualquer tipo de endeusamento, seja no Futebol, seja na
Política, seja em que área for. Faz-me igualmente confusão o endeusamento
precoce de que alguns jovens futebolistas são alvo hoje em dia, da mesma forma
que me faz confusão o endeusamento “por antiguidade” de alguns dos atletas mais
antigos do clube. Se no caso dos primeiros pouco ou nada mostraram que nos
garanta o seu suposto estatuto de “craque”, no caso dos segundos a sua História
deve (mas deve mesmo) ser respeitada, mas não pode ser garantia de nada mais para
além do mesmo tratamento justo, frontal e honesto por parte dos seus
Treinadores.
Um “craque”
não é “craque” apenas e só porque sabe fazer uns “túneis”, umas “vírgulas”, uns
“cabritos” ou porque marca golos a cada dois jogos, mesmo treinando mal ou,
neste caso, uma vez por semana. Um “craque” não é “craque” apenas e só porque,
apesar de treinar apenas uma vez por semana, consegue decidir o derby regional
de “Santa Maria de Trás do Sol Posto”. Um “craque” é “craque” porque, para além
do seu talento natural e inato, do seu carácter e da sua personalidade, é
um exemplo para os restantes colegas de equipa, para todos os jovens jogadores
que integram a Formação do seu clube e inclusivamente para todos os Dirigentes
que fazem parte da Direcção do clube. Esse é o verdadeiro “craque”!
Já agora,
gostaria de perguntar aos Dirigentes que gostam de ter este género de abordagens
junto dos seus Treinadores, se eles também consideram “craques” aqueles
Directores que só aparecem no campo em dias de jogo ou em dias de festa? Porque
se os consideram craques talvez não faça sentido aquele pequeno exercício de “corte
e costura” que costumam fazer, criticando o A e o B por nunca estarem presentes
nos treinos das equipas e por só quererem aparecer nos bons momentos.
(Neto com a camisola do Corinthians)
Do Treinador
para os Treinadores
Não é fácil,
pois não? Chegar a um clube cujas equipas de Formação costumam ter qualidade e
ver-se inserido num projecto com bastantes aspirações em termos de classificação,
podendo até almejar-se uma Subida de Divisão. Começam então os treinos e,
depois de uma pré-época prometedora, o “craque” da equipa passa a ser cada vez menos
assíduo por variadíssimos motivos. De início ainda toleram uma semana, duas,
três...mas depois a vossa decisão em mantê-lo no onze inicial começa a pesar na
vossa consciência (abençoados sejam os que têm essa consciência) e decidem
colocá-lo no banco de suplentes ou até mesmo deixá-lo de fora da convocatória. E
até continuam a ganhar os jogos ao fim-de-semana...
A meu ver,
decidiram bem ao fazê-lo. Mas já se sabe o que acontece em alguns clubes: lá vem
o Presidente, o Coordenador ou um Director mais próximo da família do jogador
com um discurso pré-concebido, cheio de falsos moralismos e de chavões bacocos,
dizendo ao Treinador que não pode ser, que a equipa precisa do “craque” para
continuar a ganhar os jogos e que a hipotética subida pode ficar em risco sem a
sua utilização. Argumentamos que a equipa tem respondido bem sem o tal “craque”,
que ganhámos os últimos jogos na mesma e que não há razão para alarmes.
E de facto não
há! Estamos cientes da nossa decisão, não estamos? Sabemos que estamos a fazer
o que é mais correcto, não sabemos? O grupo acima do indivíduo, por muito que o
grupo seja composto por indivíduos, não é isso? Claro! Nada mais correcto,
também partilho dessa opinião. Mas e quando perdemos um jogo? E quando até
perdemos dois jogos seguidos e empatamos os dois jogos seguintes? Como ficamos?
O “craque” continua a ser muito pouco assíduo, sendo verdade que continua a ter
mais qualidade do que 70% dos jogadores da equipa, incluindo aqueles que jogam
na mesma posição do que ele. Mantemos a nossa decisão?
(Carlos Alberto ao serviço do FC Porto)
Não é fácil,
pois não? Estar à frente de uma equipa sénior, seja ela qual for, sejam quais
forem os seus objectivos. Porque há uma verdade que para mim é absoluta: o
sentido de justiça de um Treinador não pode/deve depender dos objectivos do
grupo que lidera. Porque tanto devemos ser justos com os jogadores que lutam
por títulos como devemos ser justos com os jogadores que lutam pela manutenção.
Até porque a Justiça (o fazer o que está correcto) não é um “bem exclusivo” de quem tem os
holofotes apontados a si...
Mas não é
fácil estar a orientar uma equipa sénior cujo principal jogador da equipa é um
destes “craques”, repleto de talento e qualidade, mas sem a mínima
predisposição para ir aos treinos. Um “craque” que joga e faz jogar, que marca
e dá a marcar, que é, de caras, o melhor jogador do nosso plantel.
Todos os
restantes jogadores treinam bem, no máximo, esforçam-se, dão tudo, nunca falham
aos treinos (ou raramente o fazem). Inclusivamente aqueles que jogam na mesma
posição do terreno. Uma vez mais, que fazemos? Deixamos o “craque” no banco,
ganhamos meia dúzia de jogos, mas, de repente, entramos numa fase menos boa e
ficamos oito jogos sem vencer. E agora? Ou então deixamos o “craque” no banco
logo no início da época (visto que o seu absentismo fez-se sentir logo na
pré-época), perdemos os três primeiros jogos...e agora, que fazemos?
Sabemos que
podemos continuar a perder sem as características do “craque”. O Director
Desportivo já veio “buzinar” aos nossos ouvidos por mais do que uma vez. O
Presidente já nem nos pode ver à frente, tal a sua azia. O “craque”, impávido e
sereno, continua a treinar apenas uma vez por semana, sendo que até poderia
treinar regularmente. Mas não quer. Pensa que não precisa...
Chegamos então
ao momento da verdade. Mantemos a nossa decisão independentemente de um novo
resultado negativo poder significar o despedimento ou apostamos no ”craque”
para ver se salvamos o nosso pescoço? O grupo criado à nossa imagem e à imagem
dos nossos ideais em primeiro ou o nosso pescoço em primeiro lugar?
Posso apenas
falar por mim: contabilizasse eu os pontos perdidos por ser justo e manter-me
firme e agarrado às minhas convicções e, caríssimos leitores, provavelmente
teria mais pontos, títulos e distinções individuais na minha curta carreira
como Treinador. Mas não teria a consciência tranquila nem me sentiria bem
comigo mesmo ou com os homens com que trabalho. E não há título algum que valha
um olhar “olhos nos olhos” limpo, directo e frontal, em que nos vemos e revemos
no outro.
Ele é o
melhor jogador que temos, mas só pode treinar uma vez por semana e tem de jogar?
Desde quando?
Laurindo Filho
2 Comentários
mais um exelente artigo que espelha na perfeiçao uma realidade que faz parte do quotidiano de qualquer treinador, principalmente nos distritais.
ResponderEliminarno entanto, tenho para mim que a soluçao so pode ser uma:
encostar a suposta vedeta e premiar quem trabalha, quem se esforça nos treinos e quem revela assiduidade e compromisso.
o problema a meu ver, reside principalmente nos diretores que querem resultados imediatos e que nao querem saber se a tal vedeta treina ou nao treina. desde que faça a diferença em campo, esta tudo bem...
por isso, enquanto treinador, so ha dois caminhos: ou somos fieis aos nossos ideais e premiamos a dedicaçao em deterimento do resultado ou entao nao passamos de um yes man que se vende a troco da garantia de continuar no cargo.
entre uma e outra, escolho claramente a primeira mas, cada um decidira conforme a sua consciencia ou falta dela...
No meio Amador é cada vez mais complicado trabalhar em determinados clubes, não só pela questão dos Directores que enunciou (e bem), mas também porque em alguns lados parece existir uma "cultura" de facilitismo em relação a essas supostas "vedetas".
ResponderEliminarConcordo quando diz que um Treinador deve ser fiel às suas ideias e aos seus valores, mas sabemos que nem sempre é isso que acontece. Mas, como em tudo na vida, as decisões ficam com quem as pratica.
Obrigado pelo comentário. Continue a acompanhar-nos. Cumprimentos