Mudar mentalidades...uma das acções mais complexas (e ao mesmo tempo mais
entusiasmantes) ao alcance de qualquer ser humano e uma das consequências mais
imprevisíveis sempre que falamos de mudança de mentalidades ao nível grupal. É
assim em todo e qualquer quadrante da nossa sociedade: nas escolas, nas
empresas e até mesmo nas famílias.
Imaginem agora como será mudar mentalidades num desporto tão complexo e
volátil como o Futebol, onde muitas vezes os objectivos individuais
sobrepõem-se aos objectivos colectivos, onde a influência externa de agentes
que nada têm a ver com a equipa podem levar à perda do foco que une o grupo ou
onde existem “velhos hábitos” (“vícios”, para dizer a verdade) enraizados
durante anos com a conivência e complacência de todos tendem a potenciar o
insucesso...Parece fácil, não?
Para que todos possamos visualizar mentalmente o cenário e a mensagem que
pretendo passar, vou analisar esta temática de forma abrangente. Ou seja,
gostaria que todos partíssemos da ideia inerente à chegada de um novo
Treinador. Normalmente toda e qualquer chegada de um novo Treinador implica a
chegada de uma nova mentalidade, certo? Se assim não fosse, não haveria troca
de Treinador e as coisas permaneceriam idênticas, sinal de que tudo estava bem
(ou suficientemente bem) para que se apostasse na continuidade.
Assumindo então que um novo Treinador significa uma nova mentalidade,
quais as reais implicações desta mudança para o Treinador? Como deve um
Treinador proceder a partir do momento em que sabe que vai trabalhar num clube
novo?
Antes de iniciar a minha argumentação, penso ser necessário ressalvar um
pormenor que pode parecer básico e lógico, mas que facilmente poderá ser
esquecido: a questão da mudança de mentalidades não se relaciona apenas e só
com uma determinada Ideia de Jogo e/ou com um determinado Modelo de Jogo. Nada
disso! Seja o Treinador defensor de um futebol mais apoiado, cerebral e elaborado,
seja o Treinador apologista de um futebol mais directo, objectivo e vertical, a
mudança de mentalidades surge sempre com a chegada de todo e qualquer novo
Treinador. Volto a repetir: a mudança de mentalidades surge sempre com a
chegada de todo e qualquer novo Treinador!
Assim sendo, é expectável que o novo Treinador reúna o maior número de
informações possíveis acerca do grupo com que vai trabalhar. Informações
individuais acerca dos jogadores (perfil humano e perfil futebolístico),
informações colectivas acerca do grupo (relações humanas intra-grupais),
informações colectivas acerca do grupo enquanto equipa de futebol (hábitos de
trabalho, metodologia de treino a que estavam habituados, sistemas tácticos
adoptados, esquemas tácticos utilizados), informações acerca do funcionamento
do clube (Direcção, Seccionistas, Fisioterapeutas, Massagistas), informações
acerca da história e do passado recente do clube, etc...
E é expectável também, a partir do reunir de todas estas informações, que
o Treinador esteja preparado para iniciar o processo de mudança de
mentalidades. Um processo difícil e complexo, um processo de constantes
avaliações e reavaliações, um processo que irá conhecer avanços e recuos, um
processo que irá merecer toda a atenção e toda a concentração por parte de
todos os envolvidos...mas essencialmente do Treinador.
Porque cabe ao Treinador a tarefa de gerir quinze, dezasseis, dezoito ou
vinte novas perspectivas, a tarefa de lidar com quinze, dezasseis, dezoito ou
vinte novas personalidades, a tarefa de motivas e potenciar quinze, dezasseis,
dezoito ou vinte novas expectativas...tudo isso enquanto o Treinador começa a
conhecer precisamente esses quinze, dezasseis, dezoito ou vinte novos
jogadores. Não sendo uma missão impossível, é uma missão que não está ao
alcance de todos, apenas daqueles que sabem encarar este processo com a
seriedade e o profissionalismo que ele exige.
Como se isso não bastasse, há ainda que contar com o outro lado da moeda:
os Jogadores. Porque nem todos eles se dão a conhecer da mesma forma, nem todos eles foram sujeitos ao mesmo género
de estímulos cognitivos (alguns nunca o foram nas realidades mais amadoras), ou
seja, nem todos processam a informação da mesma forma e com a mesma facilidade.
Porque nem todos têm o à-vontade para dizer ao Treinador que não estão a
perceber o que está a ser pedido/transmitido, nem todos conseguem assumir
determinados comportamentos técnico-tácticos naquele preciso momento, mesmo
depois de ter revelado uma assinalável e agradável evolução.
E é natural que isso aconteça. Principalmente se houver um corte
demasiado forte/radical com o passado recente (lembrem-se do que vos falei
acerca do Modelo de Jogo...). É natural que alguns jogadores sintam
dificuldades mais acentuadas para realizar determinadas tarefas. É natural que
alguns jogadores sintam-se desconfortáveis perante a exigência e o compromisso
exigidos pelo novo Treinador. É natural que alguns jogadores “agarrem-se com
unhas e dentes” às “paredes” das suas “zonas de conforto”. Da mesma forma que é
natural que alguns jogadores sintam dificuldades em transpor as suas próprias
barreiras mentais, as quais limitam-nos e impedem-nos de poder evoluir para um
patamar de maior qualidade quando comparado com aquele em que se encontram.
Daí que ao novo Treinador cabe saber “ler os sinais”, saber “ler os seus
jogadores”, a sua linguagem corporal, saber ouvir o que dizem e o que não
dizem, como o dizem, quando o dizem e porque o dizem. Daí caber ao novo
Treinador uma avaliação constante e uma reavaliação ainda mais constante dos
objectivos de cada exercício escolhido para cada uma das suas unidades de
treino, estejam elas inseridas numa determinada corrente ideológica de treino
ou não.
Porque vai haver um exercício ou outro, uma unidade de treino ou outra em
que o planeado sairá...ao lado! É normal. Isso acontece em grupos que se
conhecem há anos, quanto mais em grupos cujo Treinador chegou há quinze dias ou
um mês. É normal. Faz parte do processo de aquisição de uma nova confiança, de
novas rotinas e de novos hábitos que levarão ao futuro crescimento colectivo.
E se um ou outro jogador se mostrarem mais reticentes? Em primeiro lugar,
se as regras forem bem claras e explícitas desde o primeiro momento e se formos
todos conscientes de que ninguém está acima do grupo (nem mesmo o “Maradona” da
equipa), o próprio grupo encarregar-se-á de, juntamente com o Treinador e o
trabalho desenvolvido, mostrar a esses jogadores que o caminho traçado e as
rotas escolhidas são, de facto, aquelas que mais e melhor assentam ao grupo.
O resto é trabalho, capacidade de diálogo, paciência e obtenção de
resultados visíveis e satisfatórios. Mas em relação aos resultados visíveis e
satisfatórios, deixo três ressalvas:
- As vitórias são importantes, mas por vezes podem camuflar insuficiências
ou debilidades individuais e/ou colectivas, portanto, não pensem que vencer
ajudar-nos-á, por si só, a mostrar aos jogadores mais reticentes que estamos no
caminho certo
- Traçar objectivos a serem alcançados em jogos de preparação (mesmo ao
nível sénior e principalmente quando sabemos que representamos um “corte” com o
passado recente) ajuda a que todos caminhem lado a lado e permaneçam no mesmo
caminho
- Filmar os jogos de modo a podermos ter as perspectivas dos momentos e
movimentos colectivos e individuais é uma ajuda essencial para que os cépticos
deixem de o ser
Mudar mentalidades nunca foi e nunca será fácil. No Profissional ou no Amador.
Na Formação ou a nível dos Seniores. Haverá sempre uma ou outra barreira mental
e um ou outro “velho hábito” a dificultar a tarefa do Treinador. Resta-lhe
apenas (ao Treinador) ser suficientemente inteligente para criar mecanismos que
permitam uma aproximação dos jogadores às suas ideias sem que haja um
afastamento do mesmo (Treinador) em relação ao que defende e acredita.
A tarefa não é fácil? Bem, parafraseando Rui Vitória, “se fosse fácil não
seria para nós”. Continuemos então a trabalhar e a mudar mentalidades. Pelo bem
dos nossos jogadores, das nossas equipas e dos nossos clubes...
Laurindo Filho
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