...deixar de
ser quem é? Ainda que não seja proferida com estas palavras, esta parece ser a
pergunta da moda na Comunicação Social. Se repararmos bem, nos últimos tempos,
vários jornalistas, em vários países, têm questionado diversos Treinadores
quanto aos seus Modelos de Jogo.
De Inglaterra
a Portugal, passando ainda pelo exótico futebol brasileiro, muitos são os
jornalistas a preocuparem-se com as opções dos Treinadores quanto àquilo que
pretendem para as suas equipas. Perguntam se a derrota por 1-0 num jogo com uma
oportunidade de golo para cada lado se resume à eficácia. Questionam o porquê
de não se optar por um médio defensivo mais físico…como se o médio defensivo
escolhido pelo Treinador fosse mais “químico”. Apontam dados estatísticos como
se estes, por si só, ajudassem a explicar o porquê do resultado final. Insistem
nas perguntas sobre arbitragem quando o Treinador X ganhou, perdeu ou empatou,
mesmo que o trio de arbitragem nada tenha a ver com o desfecho dos jogos.
Enfim, por vezes apetece dizer que falam de Futebol com a leviandade de quem
vai à mercearia encomendar 250 gramas de fiambre de peru.
No espaço de
uma semana pude testemunhar três momentos carregados de simbolismo. Três
momentos que tiveram lugar em três países diferentes, com três Treinadores que
trabalham em condições completamente díspares e em três realidades competitivas
distintas. E apesar de todas estas diferenças, estes três momentos acabaram por
ter um ponto em comum: os Treinadores foram questionados quanto às suas Ideias,
aos seus Princípios e quanto aos seus Modelos de Jogo.
(Rogério Ceni- Treinador do São Paulo F.C.)
No Brasil,
Rogério Ceni, novo timoneiro do São Paulo Futebol Clube, viu a sua equipa
desperdiçar uma vantagem de dois golos frente ao Mirassol, terminando o jogo empatado
(2-2). Um empate que surgiu após uma goleada caseira por 5-2 frente à Ponte
Preta e uma vitória categórica na Vila Belmiro, por 3-1, no clássico com o
Santos.
Por estar
ainda em início de carreira e por ter sofrido golos em todos os jogos, mesmo
tendo um dos ataques mais concretizadores do Campeonato Paulista, Rogério Ceni
já foi confrontado acerca da sua filosofia de jogo. Há já quem pergunte se a
toada ofensiva é para manter, se o futebol de ataque é mesmo aquilo que quer
para o São Paulo. Será por ter sido Guarda-Redes?
(Luís Castro - Treinador do Rio Ave F.C.)
Em Portugal,
Luís Castro protagonizou o momento futebolístico nacional deste fim-de-semana.
No meu entender, claro está. Após levar o Rio Ave Futebol Clube a realizar uma
excelente exibição em Alvalade, num jogo em que se debateu com sete ausências
no seu plantel, após ter visto Rui Patrício negar-lhe o direito a vencer em
casa de um candidato ao título, Luís Castro foi surpreendido em plena flash interview.
Para quem não
se recorda deste episódio, passo a explicar. O jornalista encarregado de
questionar Luís Castro na zona das “entrevistas rápidas” perguntou ao Treinador
do Rio Ave se ele não estaria disposto a apostar num futebol mais pragmático e
mais directo, alterando o seu Modelo de Jogo, uma vez que os resultados não
condiziam com as boas exibições. A resposta de Luís Castro foi, no mínimo,
épica: “ Uns chutos para a frente com três na frente à pesca, a ver se fazemos
golo? “
(Pep Guardiola - Treinador do Manchester City F.C.)
Em Inglaterra,
Guardiola. Hoje e sempre (na presente temporada), Guardiola. O génio espanhol
foi questionado por um jornalista se estaria interessado em mudar a sua forma
de jogar para poder vir a ganhar a Champions, se estaria disposto a apostar
noutro estilo de jogo para poder vir a ganhar a Champions.
A resposta, no
seu estilo habitual, deveria aparecer nos manuais para todos os aspirantes a
Treinadores. Sereno, lúcido e esclarecido, Guardiola fez questão de dizer que
não é uma romântico, que quer números e que quer ganhar. Mas quer ganhar de
acordo com as suas ideias, com aquilo que ele acha ser o melhor para a sua
equipa. Porque, segundo Pep, “todos os Treinadores do Mundo executam as suas
ideias com os seus jogadores porque acreditam que dessa forma estão mais
próximos da vitória”.
Chegamos então
à minha parte favorita em todo este meu artigo. Àquela parte em que vos digo (através
de perguntas) o que realmente penso e o que realmente me vai na alma após
testemunhar as perguntas feitas a Rogério Ceni, Luís Castro e Pep Guardiola.
Desde quando
ser um Treinador que opta pela Posse de Bola, pelo Futebol Apoiado e pelo
entendimento total de todas as Fases e Momentos do Jogo é sinónimo de lirismo,
romantismo e utopia?
Desde quando
ser um Treinador que opta por Saídas de Bola curta, por um Guarda-Redes como
peça essencial na Fase de Construção, que pretende evitar o famoso “estica na
frente” é sinónimo de perdedor ou menos ganhador?
E de onde veio
esta ideia de que o Treinador que gosta de dominar e controlar o jogo através
da Posse de Bola é menos pragmático do que os restantes Treinadores?
Custa-me
muito, mas mesmo muito, que as pessoas não percebam o que se passa. Que alguns
jornalistas não atinjam o alcance das suas próprias palavras. Mudar o Modelo de
Jogo? Ser mais pragmático, com um Futebol mais directo? Jogar um futebol um
pouco menos ofensivo? Por favor…
Será que ainda
não perceberam que pedir a um Treinador que altere o seu Modelo de Jogo apenas
e só porque se está a ganhar menos jogos do que o suposto é o mesmo que pedir a
um Treinador para abdicar das suas Ideias, dos seus Princípios, enfim, da sua Identidade?
Imaginem o que
seria se algum dia fossem abordados na rua e vos perguntassem: “ Peço desculpa,
mas seria possível deixar de ser quem é? “
Laurindo Filho
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