“O jogo de futebol consiste na oposição de
duas equipas com objetivos idênticos, marcar golos e evitar que a equipa
adversária marque golos. Nesta relação, ambas as equipas precisam de coordenar
os seus jogadores (coordenação intra-equipa) através de uma estratégia coletiva
que considere a oposição da outra equipa (coordenação inter-equipa) num
contexto em evolução” (McGarry, Anderson, Wallace, Hughes, & Franks, 2002).
Leio este parágrafo? E pergunto-me...Será que estamos
a falar do jogo de futebol? Não estaremos a ser demasiado redutores? Onde está
o treino “faça chuva faça sol”? Onde estão as comemorações? Onde está “o cheiro
a balneário”? Onde estão as brincadeiras e desavenças entre colegas de equipa?
Onde está a família? Onde estão as namoradas (haja paciência...)? Onde estão os
problemas lá de casa?
O jogo de futebol está para além das quatro
linhas, entranhado na vida de cada jogador, como que de uma parte do corpo e
alma...
Para vos elucidar da mensagem que vos quero
transmitir vamos fazer uma viagem a uma história que muitos conhecem, a
história de uma de tantas fotografias perdidas por aí...
Quinze anos separam estas duas fotografias, Koke e
"El Niño" Fernando Torres. Mas quem são os outros três?
Quem são os outros? Os outros são a maioria dos
atletas com os quais trabalhamos hoje, daqui a 15 anos! Teremos alguns “Kokes”
mas a maioria serão “Iváns, Álvaros, Marios...”...vida de um treinador de formação...O
Mario da foto à semelhança de muitos outros "não teve sorte, uma lesão num
dedo do pé, rompeu os ligamentos cruzados...”. O Álvaro deixou de jogar muito
cedo, problemas na rótula, na tíbia...teve de deixar de jogar futebol: Iván não
"vingou", "não teve oportunidades". Onde já ouvimos isto?
Não estou aqui para julgar ou repreender ninguém, longe
disso...Um alerta, apenas um despertar de consciência de treinador para
treinadores...
Será que todos os dias contribuímos para que os
nossos jogadores entendam o jogo de futebol ou apenas parte dele?
Preocupamo-nos em transmitir-lhes como não tirar cruzamentos para o terceiro
poste...como não efetuar o famoso “remate em parafuso”...como não efetuar um
pontapé na atmosfera...Gritamos!! Pressionamos!!Faz assim!! Não é assim!! Agora,
quantos de nós na tentativa de controlar os nossos jogadores como que com um
comando da Playstation a ver de cima, ficamos surpreendidos com as decisões que
os atletas tomam, algumas delas mais inteligentes das que nós próprios idealizamos
do nosso campo de jogo, chamada área técnica??
Será que estamos a aproveitar o melhor possível o
tempo que passamos com os nossos atletas? Até que ponto devemos ser nós a
prepará-los para o “jogo de futebol” no seu todo que vai além do 1x4x3x3, do
1x4x4x2...Utilizamos palavras pomposas como “constrangimentos” e lemos que
devemos manipular os constrangimentos ligados à tarefa e esquecemo-nos muitas
vezes dos constrangimentos que podemos manipular relacionados com o indivíduo e
com o contexto, com tremendo impacto no desenvolvimento do atleta, dos nossos
jogadores, o tradicional treinador do “faz assim” pertence ao passado, gosto de
nos ver como os treinadores do presente e do futuro.
Devemos ser nós a
“ensiná-los”. Ensiná-los a sentir o porquê de estar aqui com esta chuva sabendo
que dificilmente vai jogar no fim de semana! Ensiná-los a sentir saudades das
brincadeiras do balneário! Ensiná-los a lidar com as desavenças próprias do contexto
de equipa! Ensinar-lhes o valor da amizade! Ensiná-los a lutar por uma vitória
no jogo para que um dia saibam lutar por vitórias na vida! Ensiná-los a sentir
a derrota para que possam depois sentir a vitória! Ensinar-lhes o saber estar,
o saber ser! Será que estamos a ensinar-lhes o jogo da vida? Ou ainda estamos
no jogo de futebol.
Termino com uma frase de Iván para Koke: "Me dá
uma alegria quando te vejo...Quando te estreaste, pffff......". Koke não
se esqueceu de Ivan, Álvaro e Mario! Iván não se esqueceu de Koke, Álvaro e
Mario! Mario não se esqueceu de Koke, Iván e Álvaro! Todos eles, de crianças do
futebol se tornaram homens da vida!
Volto a
questionar-vos: estarei para aqui a falar do jogo de futebol ou do jogo da vida?
Será que são fases do mesmo jogo?
Filipe Silva
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